Carta a Kerouac - (parte IV)
Conheço bem sua filosofia do tudo ao mesmo tempo, agora. E sei que se irritava em ter apenas duas mãos para abraçar esse mundo gigante.
Nunca dormia antes de você e quero que saiba que ouvi todas as suas orações para Dean Moriarty, nosso deus-pai.
Sabe, eu já quis tudo ao mesmo tempo e não aguentei o tranco, nem Dean aguentou e acabou como pastorador de carros numa garagem qualquer em Nova York.
Já estive no chão, na lona, sei bem a sensação de um direto cruzado, o sabor do sangue na boca e o gosto que a derrota tem. E às vezes arroto com o gosto dela na boca!
Mas a derrota não me traz desmerecimento, ela é minha única e verdadeira glória, baby!
Ainda amo você por me fazer lembrar do que vivi quando tinha a sua idade e para quem não acredita em deuses isso é bento!
Sobraram-me apenas alienações e as recordações das viagens alucinadas que fizemos.
Não tenho mais com quem compartilhar minhas sandices e a vida desregrada que levo, estou entregue ao álcool, às drogas e aos viscos sexuais.
Outrora pensei em regressar ao nosso canto e olhar-te mais uma vez nos olhos, como quem anseia se encontrar fora de si, mas já desisti.
Não somos os mesmos!