Uma ultima carta

L.

Eu quis escrever nesta carta todas as palavras que não te disse. Queria que representasse toda a extensão do sentimento que guardei no fundo do meu peito e, por um motivo ou por outro, não lhe externei. Sei que o peso de um ano já sepultou o que havia de vivo ainda na nossa historia, sei também que algumas feridas ainda não fecharam. Por fim, ainda sinto o gosto amargo das minhas lagrimas que não secaram. Eu quis esta carta como um modo de redenção final. Que ela fosse um instrumento para eu me libertar de todas estas teias que ainda me prendem ao meu passado. Queria com ela, sepultar da mesma forma que você fez, todas as lembranças e sentimentos que faziam menção a você em minha mente. Eu escrevi esta carta para nunca te entregar, fiz esta carta para arder como a brasa de um cigarro. Quis que estas letras, transformadas em fumaça, se dissipassem e levassem para longe de mim tudo o que há um ano tento esquecer. Espanto-me como todas as tentativas de que isso se concretizasse se mostraram infrutíferas. Faço tudo isto para esquecer-te, e só por tentar faze-lo, te trago para mais perto, cada vez mais fundo dentro de mim. E esta carta, inútil em essência, já perdeu o sentido. Já amareleceu como tua foto em minha carteira. Eu tentei, o mundo me é testemunha. Eu tentei livrar-me de tudo isto, tentei caminhar com minhas próprias pernas.

é pena que só agora tenha percebido que andava em círculos, gravitando ao redor de tua imagem. Uma imagem que não mais te representa fielmente, um espectro, um reflexo...

Eu, por fim, cortei todos os laços com minha casa e lancei-me o mais distante que pude.

Recife, não mais acolhedora, tornou-se inabitável e redundante. Se não posso ter você por perto, vou me furtar de todas as outras coisas da minha terra. de todas as outras coisas que uma vez me fizeram feliz. Eu também já não sou o mesmo. Da mesma forma, um espectro do que um dia fora... derrotado por uma crença fatal.

Eu acredito em algo... algo que me incomoda. Esta convicção, esta certeza maldita de que só se ama uma vez. E depois de findo o amor a vida se torna um filme em preto e branco tedioso, onde passado o clímax, todos anseiam por um fim que tarda a chegar, e no tédio, leva todos ao sono com a languidez de uma bossa nova.

Com todo o amor possível,

R.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 27/05/2010
Reeditado em 29/05/2010
Código do texto: T2284243
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