Carta para o primeiro-ministro do Bixiga

Com licença, seu Walter Taverna, mas eu quero conversar com o senhor.

Poucas vezes na vida tive um privilégio tão grande: conhecer uma pessoa tão inteira, viva e de olhar tão intenso e bom. O olhar brilhante que o senhor apresenta mostra a profundidade de sentimentos necessários para a construção de uma vida. Uma vida cheia de compromissos com tudo o que é arte, movimento e doçura.

Não me saiu da memória o dia que lhe conheci! Na sua humildade, o senhor me contou das suas atitudes recheadas de cidadania e amor em relação ao mais italiano bairro de São Paulo.

O senhor que contou que foi um dos fundadores da Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista, e muito se dedicou e ainda se dedica a obras sociais do bairro e com invenções incríveis para homenagear a cidade. O senhor se envolveu na popularização da belíssima e tradicional Festa de Nossa Senhora Achiropita e foi ali que eu ouvi o melhor e mais vibrante “Funiculi funicula” de todos os tempos, e sempre acompanhado daquela Fogazza feita pelas mamma do bairro com tal encantamento e vigor que é impossível deixar que a memória apague a imagem. E o senhor ajudou na construção da Praça Dom Orione e lá está, imponente, a estátua do já centenário sambista Adoniran Barbosa, o adorável autor do “trem das Onze”.

De tudo o senhor fez e faz pelo bairro que é um dos mais antigos de São Paulo. Até na Prefeitura o senhor conseguiu tombamento de quase mil imóveis para evitar a especulação que não para de crescer. E eu imagino o trabalho que o senhor teve: chegar às autoridades, ser ouvido, convencer, ter que retornar inúmeras vezes, chá de espera... com certeza foi um esforço descomunal! Tudo isso para preservar a cultura, a tradição e a memória do bairro no coração de uma megalópole que nunca parou de acolher. Sem contar a composição do hino do bairro, que só poderia ser de sua autoria: Bixiga, amore mio.

O senhor me recebeu, junto da sua filha Solange, no Centro de Memória do Bixiga em janeiro de 2009 e eu voltei para abraçar o senhor na sua cantina, a Concheta, em dezembro último. No Centro de Memória eu me deslumbrei com as fotos, os documentos, aquela cadeira linda trançada com as cores da Itália que um amigo fez para lhe presentear, as cores da nostra Itália, distante e, ao mesmo tempo, dentro das nossas almas e do nosso bairro.

Com o senhor eu aprendi a amar ainda mais o Bixiga, de tantas histórias, memórias e paixões. E amar ainda mais as dificuldades da vida, porque o senhor enfrentou todas as dores do mundo, desde a infância.

E eu nem imagino o que seja perder a família num acidente, ainda criança e ter que aprender a lidar e superar a dor, viver por um tempo bem ali, na escadaria do Bixiga, retomar a vida, trabalhar, se casar, ter filhos e perder um rebento num acidente tão inusitado. A vida não foi camarada para o senhor em muitos momentos, seu Walter, mas o senhor foi e é maior que todas as dores, pois o senhor soube inventar a tarefa da construção do mundo e se pôs a desenhar todas as vitórias que alguém pode sonhar. O senhor estendeu a mão quente e macia, com certeza cheia de calos, para o amor irresistível que se traduz na arte do encantamento por viver a imensa paixão pela história e pela memória que se perpetua.

Seu Walter, eu vou a São Paulo e vou levar um vinho pro senhor. Vinho feito próximo da primeira colônia italiana de Santa Catarina ... e um queijinho também. É pro senhor também poder sentir o gostinho da Itália nessa terra, que também é bendita!

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 09/06/2010
Reeditado em 11/07/2011
Código do texto: T2310625