Carta ao leitor

Caro leitor,

Estava eu lendo uma pequena seleção de poesias de Fernando Pessoa, todas belíssimas, quando uma em especial me inquietou. Intitula-se “Liberdade”, e já o título me prendeu. Liberdade... palavra tão singela para um significado tão grande. A leitura desta poesia me induziu a reflexões inevitáveis.

Ouve-se tanto falar em liberdade que parece que a própria palavra tem maior importância que seu sentido real. Afinal, o que é ser livre? Um bom aspecto da liberdade é aquele que os livros nos dão, pois os livros rompem as nossas prisões: as idéias neles contidas, perigosas ou não, são algo que transformam, transcendem a nossa consciência. Sempre tive a convicção de que os livros nos fazem conhecer implantando dentro de nós, leitores, uma percepção mais clara da realidade, sempre atiçando a nossa curiosidade e espírito crítico. Seria isso ilusão de liberdade? Talvez. Nesta poesia, Fernando Pessoa provoca e convida-nos a meditar:

“Ai que prazer

Não cumprir um dever

Ter um livro para ler

E não o fazer!

Ler é maçada,

Estudar é nada.

O Sol doira

Sem literatura”

É verdade que ler como dever é sempre maçante, de forma que estudar passa a ser nada mesmo. Mas o Sol, este não precisa de literatura. A estrela, majestosa em sua natureza, por si só cria vida e embeleza. O poeta continua:

“Grande é a poesia, a bondade, e as danças...

Mas o melhor do mundo são as crianças”

As crianças, esses pequenos anjos que não sabendo o que são deveres, só querem brincar, tendo a liberdade tão natural de serem elas mesmas. Não existe alegria maior do que há no sorriso sincero de criança.

Compartilho com você leitor, a minha inquietação: depois da libertação de Pessoa, que mais escrever? Sugiro apenas que feche um pouco os livros e abra mais as janelas, deixando entrar “a brisa, essa, que de tão naturalmente matinal, como não tem tempo não tem pressa...”. Aqui dentro jaz pensamentos em formas de palavras, assim, enquanto lá fora corre a liberdade, deveras a brincar, dando cambalhotas no jardim.

“O mais que isto

É Jesus Cristo,

Que não sabia nada de finanças

Nem consta que tivesse biblioteca...”

Paro por aqui.

Abraços,

Francis Toyama

Setembro de 2003