Carta a Pilar del Rio

Cara Senhora,

Venho por este meio manifestar o meu profundo pesar pelo passamento físico de seu esposo, José Saramago.

Não tive oportunidade de privar com ele, apesar de o ter visto, em certa ocasião, na Festa do Avante, há muitos anos atrás.

Li os seus poemas e descobri que a sua obra, não tão divulgada quanto a de Saramago, será para si um suporte verdadeiro. A sua criação poética, o seu olhar crítico deste mundo e dos homens e mulheres que o habitam, a forma directa com que afirma que a Liberdade é um bem de todos, que os homens para sonharem têm de ser livres, que a política é uma forma de evolução da humanidade, não uma arma, um instrumento de tortura. Tudo isto fará com que descubra, para lá da dor de perder um companheiro, um amigo, que a sua obra vai continuar, a sua poesia continuará a ajudar a salvar os desamparados, a proteger aqueles que nada têm, que as vítimas deste mundo são responsabilidade de todos, não só de alguns.

Sempre encontrei nas palavras de Saramago, quando falava de si, um amor profundo, um amor total e incondicional. Ele sabia, estou certo, que a sua obra não podia ser ofuscada pela dele por terem direcções diferentes, rumos diferentes, objectos diferentes.

Lembro-me como Saramago a defendeu quando em Espanha a chamaram de extremista, quando, num comício, você ralhou com os seus próprios apoiantes por estes gritarem frases de violência. Saramago sabia que, depois da sua morte, a Pilar continuaria a lutar, a fazer chegar mais longe a democracia e os direitos humanos.

Assim, senhora, escrevo-lhe estas palavras como demonstração do meu apreço por si. Sei que Saramago não encontraria maior amiga, melhor companheira e, onde quer que ele esteja, deverá ter a certeza que o Amor é eterno, não desvanece nunca, tal como o profundo Amor que Pilar continua a ter por este mundo.

Até sempre,