Carta para Adoniran Barbosa

Então, há cem anos nascia o maior poeta popular da cidade de São Paulo. Numa cidade que despontava para a modernidade num ritmo frenético, uma São Paulo do café com indústria e operariado sem muitas ilusões.

Naquele tempo a cidade tinha ainda as suas ruelas, os seus becos, cortiços e quitandas. Vendia-se a granel e o fumo de corda com dois dedos de café num copo de bar suavizava o paladar daqueles que, muitas vezes, tinham vontade de alguma comida... e ficava só no desejo e na necessidade não atendida.

Muitas vezes eu pensei na sua coragem em ousar. Mesmo tendo o seu tempo dividido como engraxate, entregador de marmitas,operário, pintor, você ousou ilustrar a mais cosmopolita das capitais do país. A cidade que acolheu a todos, de todas as partes desse planeta e em todos os tempos. Você teve a coragem e a sensibilidade de apresentar ao grande público o Brás, a Mooca, o Jaçanã, o Bixiga até aos intelectuais, que hoje estudam o seu Português mal falado, denunciando com muito bom humor um Brasil quase sem escolas.

Obrigada por você ter inventado e dado vida ao Arnesto, ao Nicola, ao Mato Grosso e o Joça, assumido publicamente a defesa dos mais pobres, mas com uma boa dose de conformismo, pois você acreditava que “Deus dava o frio conforme o cobertor”.

Dia desses eu passei pela Praça da Sé e parei para olhar uma parte da lateral da igreja onde eu tenho uma foto sua.Olhei e pensei: “O Adoniran estava aí”. Fui visitar a rua que leva o seu nome no Bixiga. Rua pequena, mas com alguma poesia encalacrada pelas portas e janelas. Fui ao seu encontro na Praça Dom Orione e me deixei fotografar abraçada à sua estátua; perdão: estauta. Passei a mão carinhosamente pelo seu rosto e chapéu. Mas era só uma idéia do que você foi.

Obrigada por ter me ensinado tanto. Aí no céu, canta uns sambinhas prá São Pedro. Ele vai gostar do “Trem das Onze”. Faz uma boa roda de samba com os anjos e santos regada a uma cerveja gelada... com a pizza de um Bixiga celestial.

Me espera que eu quero, um dia, cantar com você aí encima. Abraços, Vera Moratta.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 06/08/2010
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