FAÇA O SEU JOGO!

Rascunhos para uma coreografia

O que nos move para uma concepção coreográfica. O ator extrapolando os limites da linguagem, o corpo é conceitual. As palavras são desenhos do corpo no espaço. O que diz?

Pina Bausch – ”Não estou interessada em como as pessoas se movem, mas o que as move.”

A oralidade desprovida de discurso, mas ser o discurso. O gestual, a expressão corporal. O ator/dançarino.

Antonin Artaud – “Penso que deve existir para cada um uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse virgem de sentido e que, vinda de um ponto fogoso da treva, batesse como um raio nos telhados de uma vida, e o céu com águas e astros caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada exaltação.*“

Movimento:

Seres mexem-se no chão como vermes. Arrastam-se. Vestem-se de sacos plásticos pretos, de lixo. As cabeças enfaixadas, sujas de sangue. Cada um tentando cobrir-se com pedaços de papel. Acima dos seres, 15 cm, uma fumaça ácida.

Um personagem destaca-se no proscênio. Surge do nada. Trás um instrumento musical - dois pratos metálicos que se chocam um com o outro em cada pausa, no exato momento, que o personagem soluça o seu discurso. Fala e bate os pratos, repetindo por todo o texto.

Os seres continuam como vermes. Luz de ciclorama vermelho alaranjado. Pink Floid ao fundo.

Dois deles conseguem no centro, um apoiando-se no outro, atrofiados, mutilados, como se ao tocar o outro, caíssem pedaços do corpo de ambos. Ainda assim, contorcendo-se em dores e lamentos, buscam-se, beijam-se e amam. O personagem dos pratos marca os movimentos, batendo-os.

Naquele local fétido, névoas, algumas tochas ao longe. A necessidade do amor. Celebração.

Vindo do fundo, um enorme dado de 1,60 m rolado por outro personagem... Todos os seres rastejantes em polvorosa abrem espaço, levantam-se como zumbis, e somem levando as tochas. Luz sobre o dado, e luz sobre o “personagem dos pratos”, que repete o mesmo texto, soluçando e batendo os pratos.

O dado rola no espaço tempo. O personagem dança o poder implacável do jogo da vida. Onde jogar é imprescindível. E em qualquer lado do dado perde. Avança então sobre o “personagem dos pratos”. Derruba-o e amassa-o, pousa sobre o mesmo, vencido. Aos poucos, escorregando e emergindo vai subindo, até ficar sobre o mesmo, imponente. Porta-se como um político agora, fazendo um discurso sobre um palanque (no caso o dado).

Os seres rastejantes reaparecem aos poucos de todos os lados, e como largatixas, levantam as cabeças para olharem para o dado. O discurso do “personagem dos pratos” é feito para os seres rastejantes. Ora é um político, ora um sacerdote, ora outro poderoso qualquer. Os seres vão aproximando-se cada vez mais, até que se apoderam do dado e passa a empurrá-lo atrás do discursante. Foge soluçando seu discurso, perseguido pelos seres rastejantes. E vão sumindo lá no fundo, na escuridão.

O silencio é quebrado por um enorme saco de pano contendo uma massa disforme dento. Como um enorme casulo, antes pendurado. Aos poucos, rompendo o saco/casulo um ser ganha vida. Rasga-o nos dentes e sai.

Neste momento passa ao fundo, um indivíduo empurrando o dado sobre uma multidão carregando cruzes.

O ser saído do casulo emerge. Solo. Some.

Reaparece o coro, desta vez trás á frente o “personagem dos pratos” repetindo o seu oficio do mesmo jeito. É seguido pela multidão compacta de maltrapilhos, carregam cadeiras, sofás, eletros domésticos, malas etc.

Depositam no centro da cena um corpo. Uma mulher seminua. Seguem o “personagem dos pratos”. Ela, nua da cintura pra cima, veste uma saia rodada de 3,5 m de raio.

Como uma medusa dança como sereia canta. A luz azul exibe uma lua enorme no céu. Na penumbra, o ser do casulo é um cavalo, é um homem nu, montado no cavalo, e corteja a mulher seminua, atada a uma grande saia branca rendada. Retira-a da saia, e saem no cavalo, nus completamente. São seguidos pelo séqüito de seres rastejantes, guiados pelo “personagem dos pratos”.

Reaparecem tendo na frente o cavalo homem nu e a mulher, e em seguida, o enorme dado empurrado pelos “seres rastejantes”, mais atrás, batendo o ritmo, o “personagem dos pratos”.

O cavalo e a mulher desaparecem. Os “seres rastejantes” empurram o dado por um tempo, até jogarem-no no meio do público. Quem se habilitará a empurrá-lo sozinho sobre todos?

O dado agora está com você leitor, faça seu jogo.

FAÇA SEU JOGO!