Ultimamente é sempre a ti

Dos Restauradores ao Rossio escrevo um livro na cabeça, penso em ti e em todo o vazio que deixaste na minha vida, em tudo o que te faltava fazer, viver!

Precisava de um gravador automático porque quem parece que dita és tu, e passa tão rápido, são conversas e conversas, entre tu e eu, entre este lado e o teu!

Como se estivesses ao meu lado, mas não estás... Infelizmente tu não estás fisicamente e isso é uma mordaça que me estremece os dias, dias estes que são esta dura realidade em que simplesmente não existes no mesmo espaço que eu.

Caminho como se não existisse mais ninguém á minha volta, porque a falta que tu me fazes é um fardo demasiado pesado para ter consciência no que me rodeia, porque por muito que o metro siga cheio de gente, que na rua todos se atropelem entre si, eu pergunto-me afinal aonde estás tu, porque eu ouço-te em todos os lados mas não te vejo, então para quê ver a sucessão de pessoas que se pisam, empurram e não se olham, e quando se olham trazem agonia no fundo da alma.

São os olhos, sabes, são os olhos que me trazem tanta saudade, e mesmo quando choro trazem um vácuo que dói, estremecem em todos os minutos como se nunca mais voltassem a ver da forma como via o mundo.

E fica tudo tão pobre, incolor, sem ar, tão triste!

Todos os dias, faço aquela rotina que tu ironizavas e que até fazia algum sentido mas que era a minha vida e que eu aceitava, mas hoje apetece-me largar tudo, mudar na linha do metro, qualquer uma serve, desde que me leve a um dia diferente do de ontem que já não faz sentido algum, mas ao contrário disso não há outra linha, as portas mantém-se fechadas e abrem no destino de sempre, o mesmo dia, a mesma hora e esta invenção temporal criada pela humanidade.

Todos os dias venho com um peso bruto no coração, estampado no olhar esta tristeza abrupta, este definhar da alma, que é mais forte do que eu, que eu ainda não consigo contornar e da qual tu nunca me deixarias cair ou envolver, mas carrego isto, e cada momento é mais difícil do que o outro, porque eu só te queria de volta, mais do que a tua voz, do que o toque do telefone, do que a gargalhada, do que o abraço, só o facto de saber que partilhávamos este mesmo mundo até sempre.

Todos os dias vivo numa corrida contra o tempo, alucinante para que consiga fazer tudo e viver mais um dia, para que ame cada segundo como se fosse o último e chego ao final do dia exausta, e sem ter conseguido fazer tudo, sem forças para suportar mais e mais, deprimida e a rezar que esta noite dure e me dê mais horas para dormir, porque preciso, preciso com urgência de um barco que navegue e me leve ao oceano sem data de regresso para que tenhamos todas as conversas que temos tido numa paz desmedida e precisa.

Tenho saudades tuas, e é tão difícil lidar com ela, também é pesada e fria, deixa-nos sós...E apesar de falar de ti tantas vezes, raramente falo mesmo de ti e do que a tua ausência me causa.

É como uma necessidade abrupta acreditar que de certa maneira ouves o meu silêncio, acolhes tudo o que penso, me alimentas a alma, e me tentas encher o ego que está cá em baixo. Como sempre manter-me mais alta que o metro e sessenta, porque isso é o tamanho do corpo, muito longe do tamanho da alma, muito longe do tamanho do coração, e mais longe da dimensão desta dor.

Li á dias o livro da Inês de Barros Baptista, não o li, comi, porque é preciso acreditar que estás aqui, talvez ainda meio perdida, a tentar contactar connosco de alguma forma, a gritar ou a rir na esperança que te sintamos e fiquemos com garantias da tua imortalidade, e de facto eu ouço-te mas sem quaisquer certezas e isso é o que custa mais. Não sei se é a minha inconsciência que cria e imagina diálogos rápidos contigo ou se de facto és tu que os incutes na minha cabeça. E efectivamente estás presente em algum lugar e de alguma forma.

Acho que a maior ferida é porque não sabia que o meu sentimento por ti tivesse a dimensão gigante que tem tido, uma avalanche que me deixa submersa.

Porque temos sempre a sensação que as pessoas que amamos estarão sempre presentes na nossa vida até ao dia da nossa morte, e se não estão é porque as mandamos ou porque nos mandaram embora, não porque partem para um lugar aonde não há tempo, um lugar que nem sequer sabemos se existe, como José Luís Peixoto afirma e acredita: “Para mim acabou, não há nada daquele lado...”, eu não me dou ao luxo de pensar assim, não posso pensar assim, não quero acreditar tão pouco nisso, a vida não pode ser só isto, e a existir inferno então que esse seja a terra, porque assim minha querida tu já estás longe dele e da função que tinhas aqui.

Por isso a pagar, a tua divida foi paga.

Olha por mim, caminha á minha frente para que possa saber seguir-te, nunca atrás de mim porque não saberei guiar-te, leva-me a tua mão ao meu coração para que o abrandes e o deixes mais sossegado, porque agora está ás avessas com o mundo e com o aperto da minha vida sem ti que está do avesso.

Ando meio perdida também, eu sei, um pouco ás escuras, meio sozinha porque quero, porque afasto os outros e tento mostrar aquela força que neste momento é inexistente.

Estou tão cansada, e daqui a pouco lá vou eu, fazer o caminho inverso, do Rossio aos Restauradores, sentar-me no metro, na mesma linha de sempre, á espera que me leve a um dia diferente, a uma hora diferente, atrás no tempo talvez. Um pouco, só um pouco, na esperança de conversarmos mais um pouco, e depois cairei na cama, a pedir que me dê mais umas horas e me deixe dormir.

Joana Sousa Freitas
Enviado por Joana Sousa Freitas em 16/01/2011
Código do texto: T2733197
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