Carta para os jovens alunos

De repente, não mais que de repente, me senti distante e velha. Distante de vocês, que me acompanharam ao longo de três décadas. Nesse tempo, muitos rostos, nomes, origens e identidades, mas moços e moças com sua beleza própria. Naquele começo, final dos anos 70, por mais dificuldade que tínhamos que enfrentar, sendo imensas, gigantescas, as ameaças ao pensar, nós estávamos lá, prontos, com olhares atentos, ouvidos afiados, lousa, giz e apagador como ferramentas para construção. E sonhos recheados de poesia e de esforço desmesurado. E não faltavam ideologias! A mais corrente era aquela que nos aproximava de uma lógica de igualdade e, por isso, era preciso ter consciência, nitidez de idéias, saber se posicionar e todos nós sabíamos onde estavam os inimigos: estavam nos quartéis, às vezes, ocultos nas esquinas, em algum bar haveria algum meganha disfarçado e querendo alguns dados para poder denunciar e torturar alguém. Os nossos inimigos estavam lá: os psicopatas de plantão, se achando donos do mundo e de todas as realidades. Era, pois, preciso dar visibilidade aos sofredores e sabíamos da nossa importância histórica.

Aqueles alunos compreenderam o porquê de tanto empenho, esclarecimentos, debates e trocas de opiniões.

Mas o Muro de Berlim caiu. Felizmente! Mas os compromissos com uma ideologia cidadã não se apagam rapidamente. Continuou necessário se pensar o mundo, reescrever a história, repensar os papeis sociais. A exclusão aos nossos olhos – pelo menos pelo olhar do professor – não poderia ser apenas uma sombra: era e é real e exige uma resposta. Não apenas indignação. Exige ação, compromisso, consciência... e isso é trabalhoso. Alguns alunos começaram a não ouvir, mas apenas a se preocupar com o dia marcado do vestibular. O compromisso estava focado ali: naquele dia, naquela hora e pronto!

Sem o horrendo muro da vergonha, outras vergonhas passaram a se impor imperiosas, em voz alta: O egoísmo, o extremo valor ao próprio umbigo, o ”tudo prá mim”, o “outro que se dane”. Outras vergonhas escancaradas: ”eu tenho direito e por que ter algum dever?” Outras: “ eu não preciso te respeitar porque a minha personalidade é forte”. Responsabilidade social? Aãããã????

Mas os professores continuaram tentando, buscando compreender, lendo grandes teóricos da educação, cursando uma especialização a mais. Não adiantou: o neoliberalismo, o consumo fácil, o aburguesamento no pensar, o odiar se sentir pobre e se imaginar com dinheiro na mão e com um eventual “direito” de se passar fez com que a gente se separasse. Provocou a morte lenta dos sonhos, das crenças, dos objetivos sinceros de transformação.

Ah! Moços e moças, nem todos, eu sei, mas a maioria caiu no conto do mercado! Caiu na conversa de que vocês são importantes porque consomem. Caiu na conversa de que são hiperativos quando, na real mesmo, são descomprometidos e tantas vezes egoístas.

Vocês, moços e moças, são importantes porque são pessoas! Porque trazem na alma uma força de transformação e de construção da alegria. Vocês podem trazer paz ao mundo. Podem ajudar com que as famílias se unam mais. Inventar um tempo mais doce e transbordante de primavera. Vocês podem fazer esse mundo se fantasiar das mais lindas cores e amores e a fantasia não precisa ser tão passageira.

Para construir felicidade não precisam se aburguesar e se sentir donos de todas as verdades: basta não ter vergonha de ser, de sonhar... e de respeitar.

Não tenham a vergonha de esconder a sua boa essência, perfumada e criativa! Por que, na realidade, vocês são bons e cheios de ternura, mas muitos se perderam no meio do consumismo e da concorrência e passaram a entender que não ter respeito ou educação é absolutamente natural e que é preciso ser assim para sobreviver nessa sociedade.

Mas estou indo embora de vocês. Definitivamente. Levando junto as melhores lembranças, os meus melhores tempos, as minhas centenas de horas de sono a menos e muitos cartões, cartas, flores, CDs, filmes, colares, fotos como memória de uma juventude que vale a pena... mas muitos se perderam na sociedade do espetáculo.

Fiquei velha pra vocês. Caduca! Gagá! Mas, com toda a sinceridade, não me deslumbrei com o mercado e os seus infinitos apelos e enganações, jamais atirei pedras em quem me educou e me apontou o caminho do conhecimento. Amei verdadeiramente todos aqueles que me ensinaram amar a natureza, a beleza do mar, a poesia contida nas montanhas, o conhecimento teórico. Amo apaixonadamente todos aqueles que despenderam algum tempo comigo para que eu percebesse a magia do conhecimento e a sua capacidade de transformação do mundo para melhor. Moços e moças, eu me despeço com o intenso sabor do dever cumprido, pois confesso que vivi.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 13/03/2011
Reeditado em 11/07/2011
Código do texto: T2845649