BOA SORTE

Eu sei que essa carta que agora escrevo nem será lida pela sua destinatária principal.

Opa! Não nos enganemos, de fato essa destinatária não tem nada de principal, mas apenas de simples assunto. Aquela a quem se destina esta carta, de fato, essa eu sei que vai ler e comentar e ainda terá aquele termômetro do qual falo, medirá e conhecerá a mim que a cada dia mais me aproximo.

Desculpe se o assunto principal não seja você, contudo quero que compreenda a minha visão de toda essa história finada praticamente desde o seu início.

Conhecemo-nos inusitadamente numa festa em sua casa, ela era a mais bela naquele dia, o que logo me chamou atenção. Vi que davas uma atenção especial à minha pessoa, mesmo sendo namorada de um grande amigo.

Nossos olhares insistiam em procurar-se mutuamente, já estava ficando evidente nosso sentimento recíproco, foi quando finalmente as máscaras caíram e a despeito da vontade de outros ficamos juntos.

Tudo foi muito intenso no começo, muito satisfatório, até mesmo não tive nenhum problema em assumi-la como um compromisso formal, registrado em cartório com juiz de paz e testemunhas.

Um mês de casamento, até aqui tudo bem.

Mas foi neste 31° dia que olhastes bem para mim e dissestes:

- Olha, meu ritmo é mais devagar que o teu, afasta-te de mim um pouco, pois não tenho o mesmo pique que você tem.

Ai, ai, pensei comigo, mas o quê fazer?

Tudo ainda é muito prematuro para se tomar alguma decisão definitiva, mesmo eu era praticamente um bebê de seis meses que havia nascido antes do tempo.

Prosseguimos.

O pouco que tinha de ti foi ficando cada vez mais minguado. Afora a tua personalidade ser muito forte, difícil, lembro-me de que não havia lugar em que fostes onde não houvesse uma confusão básica. Tinhas fama de antipática, pouco amigável, a não ser se algum interesse escuso lhe atraísse, sua atitude para com todos era a da distância e do ‘não estou nem aí’.

Todo esse contexto somente foi se agravando.

O ano era o de 1998 e eu já estava plenamente convicto de que o nosso amor já era um sentimento que havia passado. Mas, sem planejamento, veio-nos uma dádiva de olhos azuis e cabelos louros cacheados.

Estava feito o meu dilema mor de vida.

Como deixar uma mulher grávida sozinha no mundo? Não, não sou nenhum cafajeste nem canalha para tal proeza, vamos embora tocando esse barco furado enquanto for possível.

Os tempos iam passando, tornando-se cada vez mais raros nossos momentos. De marido e mulher que pouco fomos, éramos agora pais.

Pais, mantenedores, funcionários de um amor de burocratas, éramos tudo realmente, inclusive superamos muitas dificuldades juntos, contudo não éramos o principal: homem e mulher.

Era eu um homem angustiado, chateado, ressentido, briguento, cobrador dos teus carinhos e favores. Irritava-me, chorava e ia praticamente à loucura quando tu te negavas a mim.

Foram depressões e tristezas sempre caladas, choradas sozinhas, sem perspectivas ou qualquer luz que surgisse para iluminar um pouco a minha escura vida.

Depois de muito brigar e chorar, percebi que não haveria o que eu fizesse para que me desejasses, para que de fato me queresse. Então, comecei a buscar em outras paragens aquilo que não me davas.

Tenho que confessar que não tinha nenhum talento para aventuras, estas que foram todas malsucedidas. Não sei o porquê, mas havia algo que eu não conseguia captar para que o meu empreendimento desse certo.

Enquanto brigava, enquanto me importava, ainda era teu. Mas um dia deixei de me importar contigo, foi quando me perdeste de forma irremediável e para sempre.

Comecei a agir no sentido de que as coisas se tornassem propícias para a partida definitiva, para o adeus e a minha tão sonhada hora do tchau teletubiano. Esse tchau então enfim foi dado.

Estranhei tua calma de início, mas até agora não ando pela rua sem uma atenção redobrada com a vista tentando enxergar à longa distância.

Mas como previ, a turbulência veio e de forma avassaladora.

Fiquei imensamente, terrivelmente abatido ao te ver humilhando-se, chorando, implorando a minha pena da tua pessoa.

Um dos sentimentos mais horríveis que já senti na vida, alguém clamando por tua presença, pelo teu amor e eu não poder dar nem ceder, mas, ao contrário, manter-me firme, duro, quase uma pedra gelada negando o que tanto de mim querias.

Não, não te odeio.

Não tenho nenhuma mágoa de ti. Quero que prossigas a tua vida e que até mesmo se encontre e seja feliz. Fico aliviado com tua recuperação e torço para que não sofra mais do que o necessário.

Mas tudo acabou entre nós, definitivamente.

O sentimento está morto, sepultado. Os gelos que vivi ao teu lado ainda hoje me amedrontam, tamanho o frio que senti durante todo esse tempo.

Contudo, vejo um sol brilhar e um tempo de calor que se aproxima. Vislumbro um tempo em que os sentimentos serão mais verdadeiros e intensos.

E tome cuidado! Eu acredito que seja muito raro, extremamente raro, alguém que agüente passar o inverno na Groenlândia, completamente nu, por quase 20 anos. Se achares outro destes tenha certeza de que é uma mulher de muita sorte.

E é somente o que posso te desejar neste momento:

Boa sorte.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 02/06/2011
Reeditado em 02/06/2011
Código do texto: T3009514
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