Carta De Um Suicida

Minha cara: A...

São Paulo 26 de agosto de 1887

Perdoe-me por toda a aflição que lhe causei. Prometo-te que em nenhuma instância do meu ser, tive por intuito tornar-me um estorvo o teu existir. No entanto, percebo ao longo dos dias a veracidade daquilo que explano. Quanto aborrecimento não lhe causei? E eu ainda pobre mancebo na flor da idade quis sorver em teus lábios o néctar do amor! Pobre de mim que logo após a tua partida tornei-me um peso nesta infame terra onde nossos ancestrais fizeram sua morada terrestre. E embriaguei-me em lábios alheios tentando inutilmente saciar esta minha febre por teu amor. Pobre de mim! Que agora enfermo nesta cama com a debilidade de um anêmico escreve no seu ardor moribundo algumas notas de despedida. Mas não derrames por mim sequer uma lágrima. Que teu pranto não orvalhe meu peito duro e inerte.

O sol já se põe no horizonte e a noite já se condensa no horizonte. O vento frio açoita os umbrais de minha janela. E minhas pálpebras dormentes já pesam nestes olhos. Quantas noites insones! Foram tantas que envelheci terríveis anos ao longo de poucos meses. E se te amei?Só o bom Deus sabe o desespero que se apossou da minha alma logo após nosso rompimento. No entanto, de meus olhos nada mais resta, pois o sofrimento secou-me até as lágrimas. Mas não te preocupe, é chegada a hora enfim de libertar-me deste invólucro carnal denominado corpo e achegar-me junto do teu bom Deus. E ao lado dele tornar-me imortal como o bafejo da viração que acaricia seu rosto inocente e puro.

Estou ébrio? Admito que o vinho secou-se no meu copo e minha mente fervilha. Minhas têmporas requeimam-se e a sanidade de meu cérebro molemente esvai-se como a areia que apalpada em seu monte escorre por entre os dedos. Ao longe ouço o piar do corvo, este maldito e agourenta ave. Que pousou em minha sorte e fez dela o cenário da desgraça alheia. Estou trêmulo. Meus dedos tilintam como se uma convulsão delirante me tivesse vitimado. Contudo meu anjo, junto da fria e solitária sepultura levarei tua vaga imagem. A imagem do meu ideal de amor. Sentirei saudades do calor da tua mão e do sorriso que brotava como um suspiro em tua fronte alva. Mas no porvir, estarei eu vivo, mesmo que apenas em lembranças dentro da tua mente. Agradeço-a por tanto amor.

Passo as mãos uma pistola, a qual eu comprei há uma semana. Beijo-a, pois por através dela encontrarei minha redenção espiritual. Quando por ventura encontrar este meu cadáver, haverá em um dos bolsos de meu paletó um calhamaço de réis, os quais utilize-os para o cortejo fúnebre.E mesmo que meu corpo se torne imaterial ainda estarei ao teu lado, guiando-te pelo caminho da luz, mesmo no finito do meu ser ainda haverá sequer um espaço para lembrar-me de ti.

opoetakurita
Enviado por opoetakurita em 20/04/2012
Código do texto: T3623430
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