Um belo retrato que não existe mais

São de lágrimas o começo destas linhas. São de lágrimas as letras que aqui despejo na esperança que elas sequem minha dor enquanto procuro filtrar e conjugar o pouco de discernimento que ainda resta na minha loucura. Minha respiração é pesada, e o arfar de meus pulmões já não consegue suprir mais a falta do oxigênio que preciso.

Meu coração está escuro e não consigo vislumbrar saída agora até essas linhas... Apenas choro. Choro copiosamente e escrevo aleatoriamente para que possa encontrar uma calma suficiente para me reerguer novamente e olhar para mais essa cicatriz profunda que lateja agora. A ferida dói demais por saber que tudo se esvaiu tão rapidamente como areia a escapar entre meus dedos.

Procuro entender os porquês disso tudo. Não consigo resistir ao sofrimento dessa dor e o vazio no peito me faz...

De repente, o silêncio. No silêncio tento recobrar minha perdida lucidez e retornar ao ponto de partida, almejando buscar do momento em que parei minha jornada, a encruzilhada pela qual me enveredei estouvadamente e sem o devido preparo.

Ainda está escuro, mas sei que a noite é passageira. O pouco de lucidez que resta em meu íntimo me dá forças para vislumbrar no silêncio o preceder do amanhecer de um novo dia.

Escrevo aleatoriamente para simplesmente expurgar desta pretensa insanidade todo o veneno que me aflige destas chagas abertas... Agora, as dores delas já não me fazem mal algum e as cicatrizes que, porventura, restarem serão apenas mais uma lembrança vivaz dos erros que cometi ao delegar no falso livre-arbítrio de minha humanidade tosca, uma afronta ao plano divino interposto a mim e ao meu porvir.

- Siga sua intuição!! É o que voz obscura diz, mas não decantada pela escuridão apenas, porém escondida no plano maior pela mansa mão invisível...

Fui tolo em mais uma vez não acreditar nos sinais tácitos da divina providência... Em querer negar que tudo tem seu tempo e espaço certos nesse mundo, inclusive minha hora... Agora me resta resignar-me na expectativa, enquanto exercito minha capacidade de concentração e abstração das coisas que me fazem perder o sentido real do meu porvir...

- Ore ao Divino!! Novamente o timbre grave se faz ressonar... É o que farei na expectativa do alvorecer de mais um carmesim esperando que seu calor me aqueça novamente, assim como a presença de todos que ratificam o meu benquerer...

Agora, por fim, estou mais calmo e estas letras cumpriram bem o seu holocausto... Chego à conclusão que esta foi apenas uma noite ruim; uma noite de vários meses, anos; enfim, um tempo amorfo, sem realidade, e completamente iludido pelo adorno de um belo retrato que já não existe mais... Amém.

Ad majora natus