Estávamos em férias ... continuação 8a. carta "A chegada em SP"

Chegamos em SP depois de mais ou menos duas semanas em Toledo. A situação do meu filho era grave. Muito grave. Gravíssima.

E nós não tínhamos a menor noção do que isso significava. Acreditávamos que logo iria melhorar, falar com a gente, comer, ou seja, fazer as coisas que fazia antes. Emendar os ossos. Recuperar da cirurgia do ombro.

Pelo menos para mim, o pior era o braço quebrado, as queimaduras na perna direita, o inchaço na cabeça, o dreno do pulmão. Hoje, quando olho para trás, eu vejo que éramos completamente leigos em relação a situação tão grave do boletim médico. Não sabíamos nada da gravidade neurológica do acidente.

A nova equipe de UTI assumiu o caso e nova fase, novos exames, novos medicamentos, febre... febre... novos boletins médicos, novos horários de visita – eram seis vezes por dia.

Todos os dias podíamos entrar na UTI... seis vezes por dia, durante trinta minutos. E ficávamos aguardando ansiosamente o horário da próxima visita. Meu filho Róger estava inchado, febril, primeiro imóvel, depois começou a esticar braços e perna. Esticar como se quisesse furar a cama?

Aos poucos fomos compreendendo a razão da febre, a complexidade das queimaduras, a razão dos movimentos involuntários e a espera incondicional de fazer a cirurgia do seu ombro quebrado.

Aos poucos fomos compreendendo o que era vital, o que era irrelevante, naquele momento.

A minha tentativa de viver um dia de cada vez agora precisava se refinar ... seria cada hora? Cada minuto? cada instante? Sinceramente não sabia definir. Fui procurar o significado de Carpe-diem, pois me parecia ser o caminho.

“Carpe Diem significa “aproveite o momento”. O termo está em Latim e foi escrito pelo poeta latino Horácio (65 a.C.-8 a.C.), no Livro I de “Odes”, em que aconselha a sua amiga Leucone na frase:“...carpe diem, quam minimum credula postero". [...]. O significado de Carpe Diem é um convite para que se aproveite o tempo presente, usufruindo os momentos intensamente sem pensar muito no que o futuro reserva.” http://www.significados.com.br/carpe-diem/

Recebíamos explicações do médico responsável pela traumatologia do hospital. Que homem atencioso! Era direto, sincero, mas cuidadoso, sobretudo com a nossa ignorância do tema. Tentava traduzir para nossa linguagem.

Aos poucos fomos recebendo boletins de intensivistas. Meu Deus!!!! Que diferença de um para o outro. A nossa preferida logo foi uma médica, carinha de anjo, que passava dias sendo chefe da UTI. Como ela nos passava o quadro clinico dele diariamente. Aos poucos a gente percebia que quando ela estava de plantão, o quadro clinico dele melhorava. Era outro anjinho por lá.

Mas, sabem porque ele melhorava? Porque ela fazia o trabalho dela com amor, dedicação e competência. O Róger não teve pneumonia nesse período... eu me lembro que ela desconfiou da possibilidade e pediu um tal exame que poderia diagnosticar antecipadamente. Pediu para coletar o material, interpretou os exames e decidiu fazer medicação apropriada.

Na época ela nos comunicou e explicou direitinho. Obrigada doutora!

Vou contar um outro extremo. A gente estava perguntando alguma coisa sobre o Róger e um outro médico intensivista, jovem, nos chamou para conversar e “exigiu” que entrássemos, eu, o pai, e o irmão numa salinha dentro da UTI. Começou assim: “querem que eu fale a verdade???” Sim!!! Respondemos. Continuou: “querem mesmo?” Ficamos sem graça e sem entender. Daí ele olhou para mim, e perguntou: “quer mesmo, mãe?” Eu comecei a me debulhar em lágrimas, silenciosamente. E ele falou sobre a gravidade do TCE – Traumatismo Craniano Encefálico, das seqüelas, não de possibilidades de seqüelas, mas como se ele fosse desenvolver todas e mais algumas, se fosse possível. Isso se ele sobrevisse. Nem sei repetir o que ele nos disse. Só sei que nós murchamos, entristecemos, choramos...

Eu sai de lá encharcada de lágrimas. Meu marido saiu de lá em pranto de lágrimas. Nosso filho saiu tentando nos amparar, mas moído por dentro.

Daí a gente recebeu uma lição de vida desse filho, que aos nossos olhos ainda poderia ser inexperiente, e ele nos disse firmemente: “vamos filtrar!!! “vamos filtrar”; “vamos nos lembrar do que os outros médicos nos falaram”. Oh meu Deus! Que felicidade ver um filho prudente, amoroso, inteligente. Quanto amor a esse irmão. Quanta coragem para nos acompanhar nas primeiras vezes que entramos na UTI. Como foi lindo ouvi-lo falar com aquele irmão, pedindo para ele ter fé, paciência e coragem. Como foi lindo vê-lo declarar seu amor gratuito, fraterno, corajoso. Ainda voltarei a falar desse nosso rapaz. Carpe Diem...

A psicóloga do hospital veio falar comigo primeiro. Eu nem falava, apenas soluçava. Aos poucos ela entendeu, me ouviu. E chamou os outros dois. Conversou com cada um deles. E ficamos tristes, “jururus” alguns dias.

Dias se seguiram. A gente chegava na portaria do hospital, todos já nos conheciam. Perguntavam pelo Róger. De vez em quando passavam pela recepção da UTI e nos davam tchau, perguntavam por noticias.

Dias se seguiram e continuamos a ler o boletim médico, conversar com o intensivista, com a enfermeira chefe da UTI, com os enfermeiros, com os técnicos, fisioterapeutas. Aquele desespero provocado pelo posicionamento do jovem médico intensivista estava se acalmando.

Continuamos acompanhando o quadro clinico grave, a mesma gravidade da situação, mas tendo fé em Deus. A maioria dos profissionais da UTI do 11º. andar foram amáveis conosco... foram solidários... Carpe Diem.

O Róger estava no 11º. andar. Um dia o neurocirurgião chegou e falou: “estou pensando em dar alta para o Róger e transferi-lo para uma semi-uti, no 9º. andar”...

Há, preciso falar muitas coisas sobre esse neurocirurgião. Pensem numa pessoa calma, inteligente, madura e educada e principalmente competente. Era ele mesmo que conversava com aquele jovem médico, amigo do Róger, com os irmãos do Róger, antes mesmo de assumir o caso.

Esse senhor nos acolheu, paralelamente a equipe da UTI, e passava diariamente na UTI para fazer o acompanhamento neurológico. Ele entrava, conversava com a equipe da UTI, prescrevia, fazia o relatório e conversava com a família.

Antes ou depois do relatório, ele olhava para o meu marido e cobrava dele a barba por fazer, o cabelo por cortar e etc. Fazia a gente rir, brigava com o nosso outro filho o tempo todo, pois ele queria saber isso ou aquilo, e ele ponderava: “se .você entender isso ou aquilo, você seria o neuro e não engenheiro. Quando se posicionava quanto aos procedimentos, tratamento, decisão em relação ao Róger, procurava explicar na nossa linguagem.

Preciso abrir um parênteses e falar do nosso filho mais velho. Como esse filho nos ajudou nesse processo. Nesse período, antes, durante e depois. Por ser da área da saúde tinha muita facilidade de conversar com a equipe e nos traduzir algumas coisas. Como era importante a sua presença por alguns dias. Ele estava sempre com a gente, primeiro vinha sozinho e passava uns dias e voltava para Cuiabá. Depois ia com a família e nos levava o principezinho para nos alegrar. Mais tarde falarei mais disso.

Voltando ao 11º. andar, a medida que a situação do Róger ficava mais estável, mesmo ainda grave, os líderes das equipes clinica e neurológica repassavam para seus médicos assistentes assumirem o contato diário conosco. Viram que legal? Continuavam na liderança, mas seus assistentes entravam na rotina. E pasmem... os assistentes tinham o mesmo traquejo, o mesmo respeito, o mesmo interesse e tinham o apoio constante do seu líder.

Enfim, o Róger melhorou seu estado clinico, as febres foram controladas, os exames melhoraram, as neurocirurgias realizadas, o espasmo continuava, mas estava melhor.

Durante nossas visitas na UTI, a gente orava, e conversava com ele, segurava sua mão. Ficávamos desesperados com os apitos dos instrumentos da UTI. Ficávamos felizes também, pois havia alteração dos sinais, e a gente interpretava como reação dele diante da nossa presença. Maravilhoso, não é?

Nós chamávamos a enfermeira agradecia a ela e sua equipe, por ajudarem a cuidar do meu menino. Alguns me abraçavam. Despediam-se de nós no último horário de visita e afirmavam que a gente podia ir tranqüilo que eles cuidariam direitinho dele.

Imaginem a nossa alegria quando a equipe nos falou que o Róger abriu os olhos quando saiu de maca para a sala de hiperbárica.

Fim da 8ª. Carta – publicada em 06 set 2012

Rosa Destefani
Enviado por Rosa Destefani em 06/09/2012
Reeditado em 31/10/2012
Código do texto: T3869140
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