Estávamos em férias ... continuação 15a. carta "Clinicamente estava de alta"

Estava tentando entender o significado de “alta hospitalar” do meu filho.

Do ponto de vista clínico ele estava ótimo, fazendo progressos na deglutição e sem nenhuma complicação física que exigisse a sua permanência no hospital. Pelo contrário, a equipe médica estava radiante, pois essa etapa ele tinha superado e precisava sair do ambiente hospitalar.

Por outro lado, eu olhava meu filho e não sabia mais como ajudá-lo. Nós queríamos mais para ele do que respirar sozinho e ter suas funções vitais funcionando. Nós queríamos conversar com ele, queríamos ver seu sorriso, enfim... que ele retomasse a sua vida, voltasse a estudar, pescar, jogar futebol, andar, comer, trabalhar, constituir sua família.

O Róger sempre foi uma criança que mostrava planos para o futuro. Por exemplo: ainda pequeno ele falava: “vou ser prefeito dessa cidade, para tampar esses buracos”, assim que tivemos o primeiro Shopping na cidade “ele me pediu para fazer bolo de chocolate para vender no Shopping”. E muitas outras coisas assim.

O Róger soube cultivar as amizades desde pequeno. Os seus amigos, meus adotadinhos, são rapazes alegres, estudiosos, sabem curtir a vida e também cumprir suas responsabilidades.

Na faculdade o Róger foi assumindo um monte de coisas. Em 2009 estava estressado com os compromissos, era líder estudantil, participava da diretoria acadêmica, fazia curso de extensão aos sábados ... etc

Eu queria meu filho de volta. Ver meu filho assim, retomando sua vida, ativo, inteligente, feliz, agoniado, alegre, triste...

Na capela do hospital a gente colocava todas essas angústias.

O neurologista desde o começo explicava que o Róger precisaria de tempo para se reestruturar, que somente após dois anos alguma coisa poderia ser falada, como por exemplo, as seqüelas que teria.

Lembram-se do médico jovem intensivista? Pois é! A gente sabia que o tempo seria longo, como o neurologista sempre falava. Mas a abordagem daquele médico conseguiu afetar essa nossa capacidade de esperar passar pelo menos esses dois anos.

A gente sempre tinha que estar lembrando a explicação do neurologista: a situação poderia ser comparada com uma grande árvore que recebeu uma poda drástica, muito drástica. O tronco permanecia vivo, firme ao solo. Mas a vida da árvore sofreu um grande abalo e só o tempo poderia reconstruí-la, recebendo água, adubo, proteção do sol, da chuva excessiva, enfim das intempéries que viriam.

Essa comparação trazia paz para nosso coração e coragem para prosseguir. Precisávamos ter paciência, fé, coragem e informação para percorrer essa longa caminhada. Os cuidados deveriam ser com o corpo dele, protegendo as articulações, limpando e hidratando a pele, usando as órteses, mantendo o corpo inclinado em ângulo de 45º., escovando os dentes.

Simultaneamente os cuidados com o cognitivo, sensorial e psicológico do nosso filho. A orientação do neurologista era conversar com ele, mesmo que aparentemente ele não demonstrasse entendimento. Recebemos também orientação de uma neuropsicóloga que visitava o Róger no hospital e desenvolvia a atividade baseada em hipnose. Ela passava tarefa para desenvolvermos no hospital durante a semana. Aos poucos fomos aprendendo conversar com ele com o objetivo de reviver sua memória.

O aprendizado ou reaprendizado dessa fase agora era como uma nova trilha na mata. Imaginem um campo cheio de capim alto e alguém pisando nesse capim em uma certa direção. Se essa pisada for uma única vez, o capim amassado vai se levantar e se misturar com os outros e apagar a nova trilha.

Para que essa trilha ficasse permanente, as pisadas teriam que ser freqüentes, rotineiras, de forma que o capim ficasse cada vez mais amassado, até não se levantar, nem nascer de novo. Assim seria o aprendizado do nosso filho.

O segredo chamava-se repetição. Repetição programada, planejada e executada por todos profissionais de saúde envolvidos.

O cérebro poderia se reorganizar. Reaprender. Redistribuir atividades. Fenomeno chamado de Neuroplasticidade. Eu acho que aquele jovem médico intensivista não gostava desse conceito.

O neurologista dizia para meu marido voltar para Cuiabá e voltar a trabalhar. No começo eu também pensava assim. Que seria bom para meu marido trabalhar. Mas, como eu estava enganada!!! Eu sozinha jamais conseguiria estimular nosso filho como o pai fez.

Ainda vou falar mais sobre isto.

Rosa Destefani
Enviado por Rosa Destefani em 18/09/2012
Reeditado em 31/10/2012
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