RESOLUÇÃO

Resolução

Peço de antemão desculpas por eventuais erros de português e por uma possível dificuldade de expressar-me neste momento. Minha cabeça está explodindo. São nove horas da manhã e até o presente momento não dormi um segundo sequer, a despeito do terrível pesadelo que vivenciei madrugada afora. É isto que pretendo relatar.

Desde as 19 horas de ontem, 05/10, um maldito boteco bem em frente à minha casa, desandou a colocar no último volume o som de, hora forró, hora funk “proibidão”, sem oferecer trégua até às cinco horas da manhã.

Não pensem que sou idiota. Tenho sim, um alto grau de tolerância, ferramenta necessária para sobreviver, apenas sobreviver, num bairro tomado pelo crime organizado, que se esforça constantemente para mostrar (como se não soubéssemos) quem é que manda nesta maldita cidade. E saibam que, a despeito de muitos que minimizam a questão da perturbação do sossego, este é o melhor cartão de visitas que o crime oferece ao cidadão comum. É desta forma que se implanta o terror e se consegue, habilmente, demonstrar o real lado assumido pelas instituições. A sensação de impotência gerada pela tortura consentida pelo estado, bem como os despautérios nas ações policiais, quase sempre veladamente criminalizando ao denunciante, sem a menor chance de defesa para o cidadão, deixam a todos desnorteados e com a sensação que a qualquer momento, alguém haverá de descobrir que foi você que andou ligando pra polícia, que foi você o "chato" que se habilita a reclamar. E pronto. Durma-se com este barulho, com este medo irresoluto.

A partir das zero horas, meu nível de tolerância já havia se esgotado por completo, decidindo assim tomar alguma atitude. Comecei pelo óbvio: desabei-me até a porta do estabelecimento e educadamente digamos, implorando, solicitei que desligassem o som e atentei para o detalhe das horas. Fui logicamente recebido com escárnio. Mesmo assim, dignaram-se a baixar o volume. Por uns cinco minutos, apenas.

Comecei a ligar para a polícia que, estranhamente, atendeu-me de forma absolutamente solícita. Cobriram-me de razão e garantiram que assim que possível, uma viatura seria deslocada para a referida ocorrência. Digo que foi estranho porque, normalmente a resposta é de que “polícia não resolve problemas de perturbação de ordem”, que “devo ligar pro PSIU”; que “devo reclamar com a prefeitura”; que “não há viaturas no momento”; etc. Isto quando, na maioria das vezes, nos colocam numa fila de espera por, no mínimo, trinta minutos (ou até cair a linha), quando não somos deliberadamente rechaçados e ameaçadoramente, nos exigem que nos identifiquemos ou que estejamos presentes quando a viatura chegar à ocorrência. Enfim, hoje, véspera de eleições, fui atendido todas as vezes de forma muito educada e prestimosa. Todas as DEZ vezes!

Já chegavam às cinco da matina quando, depois de um segundo conflito entre eu, minha família e os drogados de plantão na porta do bar, decidi buscar outras vias, já que, por telefone, ficou claro, eu seria gentilmente ignorado.

Caminhei sozinho na madrugada, assumindo os riscos, até a base policial mais próxima, a uns quinhentos metros de minha casa. Ao chegar, deparei-me com tudo apagado e uma viatura na porta. Inoperante. Estava disposto a levar até o limite aquela situação, não importava o resultado. O que vou relatar, ao menos pra mim, é mais revoltante do que o fato que motivou minha “visita” à base policial.

Ao me aproximar do vidro da porta, um policial apareceu de uma sala nos fundos com o revólver na mão. Entendi a mensagem: cruzei os braços e não me movi até que ele chegasse à porta. Até aí, tudo bem. Nada que não fosse esperado. Cumprimentei-o educadamente e comecei a relatar o que se passava. Perguntei se haviam recebido alguma diligência no endereço do boteco. Não obtive uma resposta. O que ele fez foi colocar o revólver no coldre novamente e sacar desta vez, de forma ainda mais ameaçadora uma prancheta. Começou então um interrogatório (como se eu fosse um criminoso):

- Seus documentos. – pediu o policial.

O senhor mora próximo ao local? Endereço, por favor.

O senhor sabe muito bem que há direitos iguais, não sabe? Então. O teu direito de dormir e descansar é o mesmo que o dele de colocar o som alto. Desculpa. Não posso fazer nada.

Talvez ele pensasse que isso fosse o suficiente. Mas, eu não recuei.

- Policial, o senhor está dizendo que uma pessoa tem o direito de ficar com um bar aberto até esta hora, reunindo gente perigosa, fazendo balbúrdia e impedindo outros de descansar?

- Vamos fazer assim, então. Eu vou abrir uma diligência, porque é obrigatório...

- Obrigatório?

- Claro! Se o senhor quer que a polícia vá ao local, tem de assumir a denúncia!

- Ah, é? Então, pra que existe o disque denúncia e porque dizem que podemos fazer uma denúncia anônima pelo 190? – Fiquei sem resposta.

- Veja bem, senhor. O que o senhor está fazendo, como cidadão pra mudar esta situação?

- Como assim? Sou cidadão, liguei pra polícia, denunciei um problema e vim saber porque não fui atendido. É um direito de cidadão.

- Senhor, agora é um tal de querer que policial carregue sozinho o ônus da questão da segurança!

- O que lhe impede de mandar a viatura?

- O senhor tem que assumir a ocorrência, senão eu não tenho como fazer registro.

- Então por favor me explique, porque tenho que me expor pra bandidos na porta da minha casa.

- O senhor tem de fazer tua parte.

- Policial, eu me desabei até aqui à pé, assumindo todos os riscos. Isto já é muito. Se denúncia anônima não gera nada então porque permitem fazê-la? Estão nos enganando, então?

- Veja. Eu vou anotar TUDO, TUDO, o que o senhor está falando.

- O senhor já disse. Então devo dizer que já estive presente em outra ocorrência sobre o mesmo bar e que NADA, foi feito. Ao contrário. Segundo a policial, ela não estava lá pra prender ninguém. Disse que nem gostava de descer lá e que só foi porque foi acionada por mim. Na presença dos bandidos!

- É como eu falei, senhor. Tudo que o senhor disse vai ser anotado e vai gerar uma diligência. O senhor vai ter que responder por tudo que está dizendo.

- Claro. Só uma coisa: o senhor vai anotar tudo o que o senhor me relatou também? Vai gerar um protocolo ou comprovante que eu possa guardar?

- Não.

- Então, está bem. Por favor, anote tudo. Sinceramente, já fui humilhado o bastante pelos marginais. Não me custa nada engolir mais esta.

- O que o senhor vai fazer.

- Fique tranquilo. Por favor, não se incomode mais. Minha família sabe que eu estou aqui. Vou aguardar aqui. Quando tiver uma viatura, ou quando o senhor tomar alguma providência eu me retiro. Já tô prestes a ter um infarto (o que era a mais absoluta verdade). Não importa. Eu espero.

Depois deste diálogo, chega uma viatura com mais dois policiais.

- Senhor. Já pode se dirigir ao local com os policiais.

- Desculpa, não vou entrar na viatura.

- Mas, afinal de contas, o que o senhor quer que eu faça?

- O de sempre policial. Quando nos atendem, a viatura chega, pede pros caras fecharem o bar e quase sempre eles fecham. Não vim esperando mais que isto. É o que sempre foi feito.

- Então o senhor pode ir pra casa.

- Não vou de carona, policial. Não quero me expor mais.

- O senhor não confia na polícia? (!!!!!)

- Não é isto, policial. Se nem a polícia se sente segura pra enfrentar bandido, que dirá eu.

A viatura desceu ao local. Fiquei lá esperando até amanhecer. Estava muito, mas muito abalado. O policial, depois disto tudo, parece ter amolecido, ou ao menos percebido que eu já estava no meu limite. Tentou acalmar-me. Fez críticas até procedentes ao sistema. Não o questiono por isto. Mas, ainda assim, saí de lá, com o gosto amargo de alguém que teve de se sujeitar a todo tipo de argumento, coação, dissuasão, que tentasse me fazer acreditar que as coisas são como são, simplesmente, porque o cidadão comum não age pra mudar nada.

Por que temos que assumir esta culpa? Se denunciamos, somos ameaçados. Se agimos por conta própria, viramos bandidos. Se denunciamos a má atuação de policiais, corremos o risco de sermos abandonados pela corporação. Se corremos atrás, nos marcamos como alvo fácil pra gente inescrupulosa. Se pedimos a ação da polícia conta marginais, não somos atendidos porque, simplesmente, segundo este policial, há um regimento que deve ser cumprido e que o impede de agir como, segundo ele, gostaria de fazê-lo.

Eu pergunto, e o policial, é só vítima? Quantos superiores corruptos, colegas corruptos, quantos políticos que ele diz com tanta propriedade são corruptos, sem que a própria polícia que tem esta prerrogativa, não prende, não denuncia, obedece cegamente a hierarquia, passando por cima da lei e da justiça e, ainda assim, exige do cidadão comum que este os salve das garras de seus superiores?

É por este motivo que resolvi agir de forma a criar um fato político. Saibam que o faço porque não vejo saída. Sei que vou morrer. Falo sério. Mas, esperando que este momento eleitoral que se descortina até o segundo turno, possa “sensibilizar” a classe política pra questão da segurança pública, ou o governo pra, ao menos dar à sociedade uma devida explicação sobre este impasse. Talvez até, possa eu mobilizar algumas outras pessoas fartas deste empurra-empurra para algo mais concreto e fomentador de uma mudança. Quem sabe até possa me dar crédito sem tentar usar minhas palavras contra mim mesmo, abusando das prerrogativas de “otoridade” para intimidar qualquer cidadão que, de fato, tente fazer algo. Sinto que devo reverter o impasse. Vou entrar naquele bar na primeira oportunidade. Aproveitar o momento em que haja mais testemunhas e destruir aquele maldito rádio e não sair de lá, a não ser que preso ou morto. Vamos ver no que vai dar. Saibam que isto não é martírio. É pura falta de opção.

Edgar Rocha
Enviado por Edgar Rocha em 06/10/2012
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