Em 17 de fevereiro de 2013 17:39, Gilberto Cathalá escreveu:
 

Amigo confidente Josenilton,
 
Realmente eu tinha esquecido mesmo de botar a camisa melhorzinha de segunda-feira para o trabalho. Estava com uma roupa meio abarrotada, mas acho que dava para o gasto. Ademais, eu costumo usar aquele chavão, que cai muito bem para mim: quem já me conhece, não estranha. E quem não me conhece, também não estranha, porque não me conhece. ☺ Então...
O problema é que, ao correr para entrar num ônibus, fui chamado por um amigo que passava num carrão. Ele me ofereceu uma carona. Eu prontamente aceitei. Ia bater um papinho com um amigo de infância, ia economizar no buzú e ainda chegaria mais cedo no “pé da obra”.
Pois não. Conversa vai, conversa vem, de repente o amigo partiu com esta, de chofre:
- E aí, rapaz, você, um funcionário público há tanto tempo, anda sem carro, se deslocando de ônibus... Isso não parece ser coisa de Deus. Você frequenta alguma igreja evangélica?
Eu disse que não.
Então ele começou a me investigar com várias perguntas sobre minha vida, sobre como estava minha saúde, se eu  estava em aperto financeiro, como é que estavam os sentimentos...
O que parece que o deixou meio desconcertado, quase incomodado, foi o fato de eu ter respondido que estava bem em todos os quesitos (embora intimamente eu soubesse que não merecia dez em nenhum deles ☺).
Mas então ele jogou pesado, a partir da minha aparência: “mas você está gordo, anda mal vestido, pegando ônibus... Você não está bem. Você precisa colocar Jesus na sua vida, meu irmão! Eu, desde que aceitei Jesus como meu único salvador, só tenho tido bênçãos após bênçãos. Já comprei este carro, reformei a casa, comprei uma TV de 42 polegadas, estou construindo uma piscina... Deus tem ouvido minhas orações. E você, por que não faz o mesmo?”
Eu fui forçado a contra-argumentar:
- Meu amigo, eu também sou um “abençoado”. Há muito tempo fiz o que eu chamo de voto de pobreza sustentável. Tenho o mínimo que dá para sobreviver materialmente com minha família. Não frequento nenhuma igreja, mas ando por aí conversando com os amigos, ouvindo pessoas, visitando parentes para falar da vida, contando piadas para enfermos em hospitais, jogando baralho com internos do hospital de hanseníase, tocando violão para alguns moradores de rua conhecidos e tentando sempre atender as pessoas com algum sorriso e presteza na repartição onde trabalho... Enfim, esta é a minha rotina. E é isso o que me faz feliz.
O amigo, com menos rompante, questionou:
- Mas você não pede nenhuma bênção para Deus em sua vida? Você parece quase..., me desculpe a franqueza, um maltrapilho...
- Eu peço muitas coisas para Deus, amigo, - disse, a essa altura já como que inspirado. - E quase sempre em tudo o que eu peço eu sou atendido. Porque hoje eu ando em busca de uma riqueza diferente. Eu busco a riqueza da paz, da humildade, do desprendimento, da simplicidade voluntária. Meus sonhos de consumo são a saúde, a inteligência emocional, a resignação, a oportunidade de fazer alguma útil por aí, sem qualquer compromisso, sem esperar nada em troca.
O amigo demonstrou ter se contrariado com meus argumentos. Olhou-me com desdém, ainda com ar de superioridade. Citou lá uns trechos da Bíblia, que, segundo ele, valorizam a riqueza material como bênção de Deus... não me lembro dos versículos.
Só sei é que eu saltei do carro bem em frente ao meu serviço, e isso eu considerei uma bênção de Deus, porque evitei de subir uma senhora ladeira (☺).
Senti-me alegre intimamente, ainda que meio desconcertado por ter estirado a mão para o amigo, que não respondeu ao gesto e nem disse "de nada" ao meu efusivo "obrigado". Ele apenas me entregou um santinho da igreja dele e me aconselhou a frequentá-la. Arrastou o carro riscando o asfalto, com o nariz empinado, e sumiu rápido no rio de aço, exibindo um dos símbolos sagrados das suas bênçãos. E eu, acho que inteiro, entrei na minha repartição, com a minha "pobreza" que me faz tão feliz, quanto certamente o fazem as metas de riqueza dele.
Ao dar "bom dia" aos colegas, dirigi-me como de costume ao birô do meu chefe, o qual me recebeu com um caloroso aperto de mão e aquele sorrisão, como sempre o faz e que compensa qualquer desconcerto de todos nós levado de fora. Ele  também é evangélico, um veterano da mesma igreja do amigo do carrão, porém um doce de pessoa. E assim é a vida.
E você, sumido, quando é que aparece para a repartição de uma melancia igual à daquele dia e para falarmos da vida dos outros? ☺

["
A vida do homem não consiste na abundância daquilo que possui, 
mas na abundância dos benefícios que esparge e semeia, atendendo aos desígnios do supremo Senhor." - Emmanuel]
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 17/02/2013
Reeditado em 16/03/2014
Código do texto: T4145426
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