LABIRINTOS

Meu querido Eugênio,

Toquei o terno. Toquei seu terno porque era ele que me restava. O cinza dele se combinava com aquele quarto gélido, que antes se ardeu, que se revirou. As veias de nossos corpos rasgavam-se em impulsos frenéticos, vorazes, exploradores, tentadores. Fitei sobre o terno que precisamente tinha costuras retas e embutidas mas eu não conseguia perceber claramente a linha, aquela linha. Quanto a esta imoral, tragou-lhe sequiosamente sem saber que fora a última vez. Tantas reminiscências me reviraram. É estranho o que o amor nos causa. Senti-me abrasivamente sugada por você, gotejada em você, mas de repente, aqui, neste quarto com os lençóis odiosamente organizados, sinto um frio, um frio....

No ar, nada me faz lembrar seu cheiro. Sua ausência, neste momento, é a única coisa a qual odeio em você, odeio de todo o coração. Odeio por que não fui eu a escolhida, não fui eu a tomada para a sua eternidade. Chego à conclusão que tenho de fazer neste momento o que me é mais necessário e urgente: chorar copiosamente. Cada lágrima, abre uma fenda escura da solidão, do desespero, da impotência que tenho em não poder amá-lo lascivamente e bebê-lo até a última gota, até o ultimo néctar impulsivamente animal .

Quando sentei na cama, o mundo sentou comigo. Havia uma forte pressão em minha garganta, e era um grito abafado. Após alguns minutos, de extrema entrega da dor à alma, pude alcançar uma de suas cartas, que diziam:

´´ Meu amor, ao longo desses anos vividos, fiz algumas descobertas importantes, e decidi compartilhá-las com você. Peço-lhe, entretanto, que estas reflexões recaíam-lhe quando, nossos corações não estiverem num único passo. Atente. São estas: Neste momento, eu te amo. Eu te amo de verdade e quero que saiba que todo o resto são peculiaridades perto de você. Não me refiro aos momentos paradisíacos aos quais você me transporta quando estou sobre seu corpo. Não são sobre estes momentos aos quais me refiro. Cito o momento em que o amor traga alma ao ponto de nos deixar sem ar. Bem, é assim que minha alma está. Tomado por esta condição, ainda que não seja eterna, quem sabe, tenho que dizer que a vida foge de nosso controle e... Às vezes, o trem sai dos trilhos. Guarde bem: Eu te amo, para sempre, NESTE ETERNO SEMPRE NOSSO.``

Confesso que depois de ler e atentar mais detalhadamente, não ao que disse, mas ao que QUIS dizer, aprendi algo novo: o amor liberta uma pessoa PARA outra, ou DE uma para outra. Foram seus instintos que buscaram outros braços e os meus ainda os queria. Nesta história não há culpados.

O apartamento permanece fechado. De lá saí com uma mala de lembranças. Fiz a escolha sensata e terrivelmente amarga. A coragem de amar não é somente quando somos correspondidos, mas quando temos de libertar outro de nosso amor. Agora, preciso dizer que esta é a última carta endereçada e eternizada a você. Nada de importante aconteceu, é que preciso viver. Só isso.

Eliane Vale
Enviado por Eliane Vale em 24/02/2013
Reeditado em 12/04/2015
Código do texto: T4157468
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