(Foto:-  A beleza do "manto de rei".) 

CARTA SOBRE O AMOR, A IDADE E O DANO

Não te assustes, não vou te ofender outra vez, já que foi assim que recebeste minhas observações. Poucas horas de sono foram suficientes para aplacar o comportamento meio irritado que mostrei e reconhecer que magoei-me eu mesma por credulidade excessiva e, ao que parece,

magoei também a ti.
Como ser humano e pela simples educação que recebi, eu respeitosamente e antes de tudo

te peço desculpas.
Ainda és muito jovem, Amigo, mas com bagagem suficiente para saber que

SENTIMENTO (é isso mesmo, esse, com letras maiúsculas) em qualquer idade,

é grande, intenso, puro, doce e, infelizmente, também incontrolável em seu ser,

estar e crescer. Podemos controlar, é claro, sua vazão; podemos mascará-lo,

mudando-lhe o nome e podemos até renunciar a ele; menos extirpá-lo no exato

momento em que quisermos. Ele só se vai quando... e se quiser.
Acontece por aqui um SENTIMENTO desse tipo, que já está sendo bem agredido

porque não pode ser atendida - pelas maneiras mais próprias - uma de suas

mais sublimes expressões: a intimidade. Tudo bem... Entendo como exclusivamente

minha a deficiência para aceitar alguns meios que se nos apresentam.

Porém também entendo sobrarem outros que não são aproveitados.
Decide-se então mascará-lo sob o apelido de amizade.
Outra vez tudo bem... só requeridos alguns ajustes nas expressões usadas

para que não despertassem emoções proibidas.
Todas essas iniciativas que te faço lembrar foram formais, racionais,

mas o SENTIMENTO é irracional, Amigo.
Ainda que nos comportemos dentro dos parâmetros daqueles limites a que nos impusemos,

o SENTIMENTO não os respeita. Ele nos joga nas nuvens, em sonhos coloridos,

em esperanças desvairadas. Porque apesar de todos os arranjos que tenhamos feito para

nos adaptar às circunstâncias do momento, ele é, e sabe que é, ABSOLUTO, intransferível, intransponível, irreversível e desalojável ao nosso mero comando.
O que se faz, então, Amigo?
Quando se é jovem, confiante num amanhã, engole-se em seco e abre-se um sorriso para novas oportunidades; mas quando a situação é bem menos favorável, a tendência é mentir a nós mesmos; aceitarmos como palpáveis o castelo nas nuvens, os sonhos coloridos e as esperanças desvairadas.
A cada exame de consciência, na noite, se nos aflora a realidade sem máscaras,

mas nós a chutamos para o porão da solidão, postergando, assim, uma provável

mudança nossa para lá.
Então te conto que enquanto no castelo de nuvens eu sonhei coisas lindas, Amigo.

Nada mirabolante. Tudo dentro da normalidade a que nos propúnhamos e da realidade

que me é permitida pelas diferenças que carregamos.
Não vou citar aqueles sonhos para não te provocar crise de risos, mas um pouquinho precisas rir...
Cheguei a imaginar que poderíamos nos visitar, como normalmente amigos fazem;

e uma vez juntos, nos afogaríamos em palavras e risos que, represados tanto tempo,

jorrariam simultâneos qual comportas liberadas. Cheguei a “sentir” o calor de lágrimas

de alegria quando nos víssemos frente a frente, olhos nos olhos, abraços apertados,

corações acelerados e emoção e mãos à solta para carinhos.

E daí em diante todas aquelas coisas pueris, tolas e boas que todo também tolo coração pensa quando ama: mãos dadas, banco de praça, sorvete, selinhos...
(Chega de rir).
Esta é uma pequena mostra para saberes que este tolo CORAÇÃO/SENTIMENTO só entende que atitudes simples contribuem com igual valor para a consolidação de um relacionamento amoroso;

não posso admitir que práticas sexuais sejam consideradas como predomínio sólido e único para o embasamento da união. Muitas outras, doces, simples, porém não menos prazerosas,

são igualmente imprescindíveis para compor a solidez da base.
Será que agora podes imaginar o quanto nos machucamos quando caímos das nuvens?

É um belo tombo, não é Amigo?

E será que dá para entender que quando o tombo é grande, ao sentir a dor, chegamos a magoar como magoei???

E se alguma vez caíste será que só riste???
Por tudo isto e pela experiência sublime e dolorida, não quero mais morar naquele

“castelo nas nuvens”. Não quero mais cair e "ofender para não ser ofendida."
Quero erguer-me de mais esta queda e, se possível, evitar outra igual que me poderá ser fatal.
Mas como amiga, mãe, irmã, amante (não necessariamente tudo isto para ti) eu te digo:

sinto que tens desatenção para avaliar sentimentos (muitos de nós temos); mas aplica-te mais nesse campo, Amigo. Sonda-te; acautela-te; preserva-te; não deixa que te machuquem mas,

e principalmente, evita machucar-te, pois quando reconhecemos nossa parcela de culpa

no dano, doi bem mais.
É difícil acertar, Amigo, mas creio que sempre é tempo de, ainda que a milésima vez, tentar.
Que Deus te abençoe, proteja e sempre ilumine teus caminhos para o bem.
Abraço, Odete


Agora deliciem-se, por favor, com o belíssimo “resumo” de CAMÕES, para todo o “vão discurso” que escrevi acima querendo dizer a mesma coisa que ele disse assim:

“ XXIV “
Oh, como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano !

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio que ainda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
Da vista se me perde, e da esperança.


(Do livro SONETOS PARA AMAR O AMOR, de LUIS VAZ DE CAMÕES)



(Foto:- Aqui, o "amor-perfeito".
Reportando-me ao texto, com estas imagens tento transmitir a idéia de que, apesar da escuridão dos anos, há corações ainda capazes de gerar belas flores, quando compreendidos e amados.) 

 

DTL Gonçalves
Enviado por DTL Gonçalves em 28/04/2013
Reeditado em 13/02/2023
Código do texto: T4263885
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