Santiago, 28/09/2005


Amigo Mario,


Escrevo esta carta de muito longe, porém com o sentimento tocando-me feito lava incandescente. Sentimento este que me carrega ainda saudade quase ao calor de teu abraço amigo, apesar dos mares que por tanto tempo nos separaram. Queima-me a tristeza, arde em minha pele e na pele de minha alma a alegria de tê-lo como amigo, de tê-lo encontrado no lugar que escolhi para refugiar-me daqueles com os quais troquei e ainda troco tantas incompreensões. A tristeza que me queima o faz na forma das labaredas da saudade. Saudade doída. Saudades da ilha que encontrei ilha, saudades do amigo e companheiro que encontrei carteiro. O que vez ou outra afoga minhas retinas é o fato de ter agora uma saudade que já foi diferente. A saudade que se fez concreta no momento da partida, assim que a solidão me abraçou companheira fez-se abstrata, pois guardo em meu coração a ilha que hoje já não me é mais ilha, do amigo e companheiro que hoje já não me é carteiro. Redescobri na beleza sutil de sua poesia a própria poesia de suas coisas, das coisas de sua ilha. As ondas de Cali Sotto, pequenas ou grandes; os ventos que sopravam nos rochedos e nos arbustos; o som dos sinos a tilintar chamando-nos à fé; as águas claras do mar que ainda ontem molhavam meus pés, enfim, a ilha que me acolheu com tamanha graça já não me soa como lembrança, mas como sentimento e toca poesia em meu coração. Assim como em poesia transformou-se sua ilha, meu amigo e companheiro, antes um devotado carteiro, hoje também abstrato se faz. Mário, a saudade que o retirou do mirar de meus olhares e o guardou em minhas veias, apresentou-me a você novamente, porém, hoje o que enxergo é o que exalas em minha quase agonizante ausência. Lembro de tê-lo encontrado absorto, envolvido no despertar de sua veia poética, sem saber ao certo como retira-la de dentro de si transformando-a numa aliança de matrimônio a fim de entregá-la ao amor que em ti também despertava ainda criança. Recordo-me de suas dificuldades em entregar o amor que lhe brotava ribeirinho ao amor que lhe afogava oceano. Como pude demorar a perceber que você, amigo e companheiro, era a poesia em si que transbordava diante de meus olhos sem que eu permitisse o toque desta poesia ainda bruta nos sentimentos de minha alma? Amigo, tu és um belo poeta! Poeta e poesia rodopiando como um alegre e serelepe redemoinho numa só pessoa, numa só alma, numa só ilha.
A saudade dói, mas já não é soberana. A ansiedade agora me queima qual a chama azul e flamejante de uma enorme labareda. Estou retornando a ilha que ouso chamar nossa. Em breve poderei recuperar meus tempos perdidos. Tempos nos quais, descalços, meus pés tocaram o solo de nossa ilha sem que minha sensibilidade carregasse o toque ao meu duro coração. Tempos nos quais, o meu amigo e companheiro carteiro me ensinou sua poesia, porém, comportei-me como mau aluno, disperso e insensível. Há de haver tempo também para que eu possa conhecer o fruto de sua poesia e de seu amor com Beatrice, Pablito. Que a alegria e a gratidão possam partir na minha frente e, dizer o quanto sou grato por sua homenagem. Amigo Mário, guarde-se poeta, preserve sua ilha poesia, pois o admirador de ambos está voltando.


Do amigo inconteste,

Pablo Neruda.


Claro que não foi Don Pablo Neruda que escreveu esta Carta. Esta petulância me foi solicitada por uma Professora de Literatura que não sabia onde estava com a cabeça. Eu tentei. Quem não entender a Carta assista ao filme o Carteiro e o Poeta - lindo!