Um dia de fevereiro, moça.

Sentado daqui eu consigo vê-la. Estou com os joelhos dobrados e meus braços os abraçam. Estou ouvindo no fone Maria Gadú cantar Amor de Índio.

Gosto do que eu vejo ... fica ainda mais incrível, quase uma pintura a óleo e com alto relevo, com o reflexo do sol irradiando por entre seus braços e pernas e se pondo pra dar lugar a sua alma gêmea que só aparece durante a noite; o que os difere é que ela é negra e ele, amarelo. Os dois iluminam e aquecem na mesma proporção, dependendo da necessidade de quem observa. Se eu não tivesse acabado de me beliscar eu iria jurar que era uma miragem. Uma miragem pode ser real embora seja, por essência, irreal.. Enquanto você precisar dela ela existe.

Ela é linda! Não tem o padrão de beleza imposto e também não se importa em comprá-lo, mas é extremamente confiante, não liga para as suas celulites, para o desenho que a sua silueta rabisca no chão (tenho pra mim que nem Da Vinci rabiscaria uma Mona Lisa tão perfeitamente), balança não existe em seu vocabulário. Se acha a mulher mais bonita do mundo, e, à sua maneira, ela tem razão. Sei disso só pelo seu jeito de sorrir e andar. Ela é excêntrica, tem uma individualidade encantadora. A beleza está nos olhos de quem vê. Depende do que você quer achar.

Ela caminha pela calçada. Ela tem um jeito de menina do mato. Deve guardar uma mulher incrível ali dentro. Acho que nem um vinho envelhecido consegue ser mais suave do que o seu jeito de colocar uma perna na frente, e depois a outra.. uma.. e a outra novamente.. Ela para e se vira para o mar. Ela se observa no espelho ao olhar para o horizonte. Ela tem um olhar sereno. Ela usa uma roupa despojada. Cai super bem nela. O laço do seu tênis está incrivelmente amarrado em forma de coração. O Seu jeans desbotado cai super bem, parece feito sobre medida para vesti-la. Sua blusa de alça me parece que a deixa refrescada. Usa uma gargantilha e tem um anjo agarrado a ela, em forma de pingente. Seus brincos são anelados em madeira e têm uma pena caída. Agora olhando pela segunda vez, parece que tudo foi feito sobre medida pra ela. Ela está com seu cabelo preso e usa um fone de ouvido. O que será que ela está ouvindo? Confesso que fiquei com inveja do compositor. Meu Deus, ela acabou de soltar o cabelo. Senti um frio na barriga e um instinto bem sacana meu acabou de se manifestar ao vê-la desprendendo-o. Colocou o lápis que o prendia entre os lábios, balançou-o para a direita e agora, como uma onda, para a esquerda (que perfume deve exalar de seus fios?), suas costas levemente projetadas para frente, enrolou-o e segurou com a mão direita, retirando o lápis com a mão esquerda e em quatro segundos seu cabelo está preso novamente. Uma mecha cai sobre seus olhos, ela pega e coloca atrás da orelha. Ela sorri. E é nessa hora que dá vontade de chorar, não de tristeza... mas pelo que o seu sorriso significa. Só eu demorar um segundo a mais olhando o seu sorriso formado, talvez eu nunca mais vá embora.

Ela não sabe que eu estou aqui agora sentado a observando, mas suspeito que ela tenha feito isso para me seduzir.

Quero ser pra ela o que ela merece. Não quero ser o teu mundo, teu sol, o teu ar, o teu porto seguro, tua bússola quando estiver à deriva, nem nada disso.. Isso é egoísmo. Não quero que ela dependa de mim e nem que se apoie em mim. Ela tem suas próprias pernas e que caminhe com elas! Mas as minhas estarão logo ao lados das suas, nos mesmos passos. Quero que ela saiba que pode contar comigo. Talvez ela precise de um braço pra lhe ajudar a sustentar o peso do seu mundo. Eu tenho dois. Quatro braços são mais fortes do que dois. Não quero ser um príncipe vendido nos personagens da Disney. Eles não existem. São fabricados por uma indústria, não têm essência e nem alma. O que existe é um homem que dá o melhor que tem de si por e para uma mulher. Mas ele é só ele e nada mais. E também não me deixo levar por personagens de livros de romance. Personagens atuam! Leio, mas quando fecho o livro, volto para mundo real. Não quero ser fabricado e nem tão pouco atuar. Quero que ela saiba dos meus defeitos, e são muitos. E torço para que as minhas qualidades fiquem visíveis pra que ela perceba que vale a conviver com os defeitos.

Ela se vira em minha direção, meu coração acelera, tento me esconder atrás daquela moita ali do lado. Realizo a acrobacia de saltar de ponta com um duplo twist carpado para trás do matinho mas, ainda no alto, vejo-a acenando para mim. Ela está sorrindo. Tem duas bolas pretas nos olhos que parecerem dançarem em perfeita sintonia enquanto os seus lábios tocam uma canção antes de se tornarem mais um lindo sorriso.

Eu cheguei a realizar minha manobra, mas caí de barriga no chão e cara no mato porque me desconcentrei ao vê-la sorrindo. O seu sorriso é ainda mais bonito quando sou o motivo dele. Levanto-me envergonhado e ela se diverte ao ver que estou sem jeito. Bato a poeira da bermuda, retiro um mato que ficou preso no meu cabelo e antes de ir pegar meu boné que caiu mais a frente, eu tropeço. Se não coloco a mão esquerda no chão para me equilibrar eu teria que olhar pra ela novamente com a barriga no chão. Pego o boné, mas antes tiro uma pedra que foi parar dentro dele. Eu retribuo o aceno. Levanto a mão direita e dou um sorriso de canto de boca. Ela dá uma gargalhada. Tem algo errado. Olho pra mão que acenei e percebo que estou acenando para ela ainda com a pedra que tirei do boné. Que mancada. Por instinto solto a pedra. Ela cai no meu pé direito. Isso doeu. Pulo num pé só, o esquerdo. Ela está lá olhando agora gargalhando ainda mais e colocando novamente a mecha do cabelo atrás da orelha. Olho para lado e vejo um casal de namorados gargalhando de mim. Eles estavam ali o tempo todo vendo a mancada que eu dei. Quando me encontro com ela eu nunca sei como me comportar. Dou um sorrisinho pra eles. Olho pra ela e ela não está mais lá. Olho ao redor e ela já não está mais em nenhum lugar.

A rosa que ela segurava na mão esta lá no mesmo lugar em que ela estava parada. Ela esteve ali.

Tivemos mais um encontro. Tenho meus encontros com ela e fico me perguntando como serão os seus encontros comigo. Dou um sorriso. O último raio de sol se põe. Pego a mochila no chão e vou embora sabendo que nos encontraremos novamente e que ela saberá quando aparecer novamente . . .

Querida, moça, um dia lhe tirarei para dançarmos a música da vida juntos. Mas para dançar a dois, primeiro tenho que aprender dançar a um. Não tenho pressa. Você não sabe quem sou eu, mas de alguma forma só minha, eu sei quem você é.

Rio de Janeiro, um dia de fevereiro - Arpoador