Só pra ti

Com meu café requentado, olho sujo de resto de maquiagem, estômago vazio desde manhã e energia inexplicável, eu lhe dirijo essa carta. Você nem vai ler, está tudo bem, nem consigo mais me descabelar por isso: o que importa é eu tirar essas malditas palavras de dentro de mim. Quem sabe com elas voando por aí, uma hora pairem perto de ti, sei lá. Mas nem que seja só o vento, ele vai me ouvir.

Cara, pra onde tu foi? E mais ainda, onde eu estava quando tu ainda estava aqui, do meu lado? Tu sorria comigo, eu fingia que era pra mim. Chorava, eu queria suas lágrimas. Ficava em perfeito silêncio e eu o devorava, me emergia na mentira, na vontade, na chance que eu nunca tive coragem de aproveitar. Aí tu foi embora, diabo. Como que iria eu ficar? Eu senti a sua falta, é lógico. Eu via teu semblante toda vez que fechava os olhos, eu sentia sua pele ao menor descuido com a minha mente, o meu autocontrole fajuto. Sabe, eu me deixava sentir, gostava disso. Gostava de ser tola, besta, burra. De carregar seus fardos, achar que tinha algum direito sobre eles, de lembrar dos detalhes simples que nem você mesmo prestava atenção. Você era meu e nem sabia, desgraça. Mas ficou tudo bem, pode acreditar em mim. Uma hora quando eu não estava contando os segundos e os suspiros, tu foi embora. O vazio, ele sim foi o problema.

Você era como uma doença, uma dor que eu gostava de sentir. Quando a ferida parecia estar pra sarar, lá ia eu com uma adaga e a abria, te colocava lá dentro e deixava o sangue correr. Era bom, sabe? Doentio, mas bom. Me sentia viva, presente, me sentia alguém. Alguém real o suficiente para ter tal sentimento, carregar essa dor e tão valorosa a ponto de criar outro mundo pra ti. Pra nós, na verdade. Ou talvez, só pra mim, pro meu ego, minha vontadezinha besta de criança que queria ser grande. Hoje eu vejo que não era bem você que eu queria, e sim queria ser essa pessoa louca, perdida, apaixonada-- e você cara, você foi meu alvo. Mas claro, sem você, tudo seria diferente. Meu trauma, meu riso, minha lembrança e até saudade seriam de outro rosto, outra voz, outro gosto. Gosto que, embora não pude sentir, eu inventei. E saiba, ninguém é mais saboroso do que você. Nos meus sonhos, esse sentimento idiota vai durar pra sempre, e nós sempre iremos nos pertencer. Na realidade eu brinco, arrisco, jogo as fichas, mas tu e tantos outros sempre vão ser meus refúgios, minhas fortalezas onde nada desse chão áspero irá me encontrar. No inexistente, estamos todos salvos, então obrigada, mil vezes obrigada por me salvar.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 03/05/2014
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