O QUE EU VI QUANDO NÃO FUI PARA A GUERRA

"Eu vi meu pai dizendo até mais com o olhar de quem dizia adeus. Depois, um por um, vi meus irmãos repetindo os gestos de velho. Vi na hora do almoço e do jantar os lugares vazios na mesa. Vi o gado morrer de fome no quintal. Vi minha mãe chorar na espera de alguma notícia. Depois, com lágrimas nos meus olhos, vi mais lágrimas nos olhos dela quando as notícias chegaram. Tombaram todos. A casa ficou vazia. O gado morreu. O gato fugiu.

Quando minha mãe definhou e deu o último suspiro eu quis parar de ver. Então cheguei aqui. E Vossa Senhoria, que me tirou tudo, diz que não é ético deixar que eu me suicide, pois nada justifica tirar a própria vida; porém, para tirar a vida alheia você tira do bolso uma lista com mil justificativas. Ainda diz que não posso responder por mim. Mas quem é você que responde por todos que foram para lá? Eu fiquei. Preferiria ter ido também. Mas sabe o que é estranho? O modo como, de certa forma, sou manipulado até mesmo nos sonhos. Neles – e é toda noite a mesma coisa - sou saudável e vou pra batalha. Lá uma granada explode perto, perto demais. Mas eu não morro, não, seria bom demais. O que acontece? Eu tenho minhas pernas amputadas e volto pra cá, pra essa maldita cadeira de rodas.

Lembro de meu irmão caçula – o único mais novo que eu . Ele empurrava a minha cadeira para todo canto quando ainda era pequeno. Foi o último a ir pra guerra. Mas é claro que você sabe disso! Fui informado por seus intermediários que ele morreu tentando ajudar um companheiro caído. Um tiro no rosto. Não consigo imaginar um projétil a atravessar-lhe a face querida. Qual é o momento em que tudo se apaga?

A tua guerra é o destino de todos os meus olhares e o motivo de todas as minhas saudades."

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 01/08/2014
Reeditado em 02/08/2014
Código do texto: T4905360
Classificação de conteúdo: seguro