CARTA, ANTECIPADA, DE APELO E DE DESPEDIDA DE UM PAI AOS SEUS FILHOS

(texto escrito por jlc- jan)

Meus queridos, filhos e filhas.

No dia em que seu pai envelhecer, não for mais o mesmo, estiver demasiadamente velho e cansado, eu espero que vocês tenham paciência, me compreendam e, se possível, me ajudem a carregar o pesado fardo e que aceitem, normalmente, os pequenos deslizes da velhice, como o esquecimento, por exemplo.

Quando eu derramar comida sobre minha roupa (lembram-se do vovô?) e esquecer como se amarra o sapato, tenham paciência comigo e lembrem-se das horas que passei ensinando-os a fazer as mesmas coisas, quando crianças.

Se, quando conversarem comigo, eu repetir e repetir, insistentemente, as mesmas palavras, não me interrompam, por favor, apenas me escutem. Lembro-me de que, quando vocês eram pequeninos ainda, para que dormissem, tive que contar-lhes, milhares de vezes, a mesma estória, todas as noites, até que fechassem os olhinhos e dormissem.

Quando estivermos reunidos e, sem querer, eu fizer minhas necessidades, nas calças, não fiquem com nojo ou vergonha, por favor, compreendam que não terei culpa disto, pois já não as poderei controlar. Pensem: quantas vezes, quando ainda eram bebê, mudei suas fraldas e limpei seus “bumbuns” e, depois, quando já eram mais crescidinhos ajudei-os, pacientemente, ao lado, a esperar que terminassem o que estavam fazendo.

Nunca me reprovem, se por acaso eu não quiser tomar banho; não chamem a minha atenção, tenham paciência e seus poderes de convencimento os ajudarão. Por isso, lembrem-se dos momentos em que, quantas vezes, brincando, eu corria atrás de vocês e os mil pretextos que tive que inventar para tornar mais agradáveis os seus banhos.

Quando me virem inútil e ignorante, na frente das futuras coisas muito mais tecnológicas, que não poderei entender, suplico-lhes: deem-me todo o tempo que for necessário para que eu reaprenda as antigas e ensinem-me as novas, pacientemente, para não me magoarem.

Lembrem-se, eu também os ensinei as tantas coisas, que agora sabem, tais como: comer; se vestir; andar; falar; estudar, inclusive e por exemplo: ensinei Matemática, ao Júnior, irmão de vocês, para ajudá-lo no desejo de se formar engenheiro, facilitando que aprendesse a como enfrentar a vida tão bem como faz, agora, formado e fora do país, nos EEUU faturando dólar. Tudo isso, foi produto de muito trabalho, esforço, perseverança, dedicação, amor e carinho meu e de vocês e, se não fiz melhor foi porque fui impedido pelas profissões que tive e que me fizeram, compulsoriamente, afastar-me, quantas vezes por meses, do convívio com a minha família, quando eu ainda era, oficial da Marinha Mercante, na linha internacional, época em que levava mais de três meses fora do país e, principalmente, o que era pior, longe de vocês. Quando depois que fui cassado pela DITADURA EM MEUS DIREITOS POLÍTICOS E CIVIS, apenas por não querer denunciar meus colegas, por eles, os militares, supostamente comunistas, ficando, por isso, desempregado, e só após algum tempo consegui uma vaga de vendedor viajante (novamente (!?) numa empresa farmacêutica e, em seguida, vendedor viajante (sempre viajante!) de várias outras empresas. Finalmente, após me formar advogado, ser auditor fiscal da Receita Federal, em que, também, viajei muito, a serviço. Respondam-me: como eu poderia estar presente, diuturnamente, na vida dos meus filhos? A necessidade de dar-lhes conforto produziu isso. Por favor, não me julguem um pai ausente! Aceito, entretanto, que digam que fui um pai ausente, mas compulsoriamente, SÓ PARA NÃO ME SENTIR, por vocês INJUSTIÇADO. Aprendam que a injustiça dói, mas a de um filho dói muito mais! Infelizmente eu sei que alguns ainda me julgam assim.

Quando em algum momento, quando conversarmos, eu chegar a me esquecer do que estava falando, deem-me todo o tempo, que for necessário, até que eu me lembre novamente e, se eu não conseguir, não fiquem impacientes, talvez não fosse tão importante o quê eu queria que soubessem e a única coisa que eu apenas desejava, era estar com vocês e que, apenas, me escutassem, naquele momento.

Se, alguma vez, eu não quiser fazer alguma coisa como: comer; passear; conversar ou assistir televisão, por exemplo. Por favor, não insistam. Talvez seja por que deverei saber, ainda, quando posso e quando não devo fazer alguma coisa. Por favor, tenham paciência com o velho pai de vocês!

Compreendam que, com o tempo, já não tenho dentes fortes para morder e nem aquele gosto apurado para sentir prazer em comer. Por isso, por favor, queridos, tenham paciência com o pai de vocês, velho e ranzinza, só agora, NESSE POUCO TEMO QUE ME RESTA.

Quando minhas pernas falharem por estarem cansadas para andar ou correr, deem-me suas mãos para nelas eu me apoiar, como eu fiz, pacientemente, quando vocês, meus filhos, tiveram dificuldades de começar a caminhar, porque ainda não conseguiam se manter em pé, sobre suas fracas perninhas.

Por fim, quando algum dia me ouvirem dizer-lhes que já não quero viver e só quero morrer, não se cansem, não se aborreçam, ouçam-me. Algum dia vocês entenderão que, isso, não tem nada a ver com a falta do carinho de vocês, de suas ausências, quando adultos, em minha vida, ou com o tanto que os amei, silenciosamente, afastado de seus convívios. O final da vida é a única certeza verdadeira que temos enquanto estivermos conscientes.

Tentem compreender que já não vivo, como antes, senão que sobrevivo e, isso, não é mais nada, já é o fim! Em breve estarei me despedindo, definitivamente, deixando-os livres da presença desse seu velho pai.

Mesmo tão ausente, sempre quis o melhor para vocês e preparei seus caminhos, principalmente, os que deveriam percorrer, na juventude. Sei que era minha obrigação e que eu tive que, tantas vezes, transferi-la, face à minha ausência compulsória. Mas, pergunto: O quê eu poderia fazer de diferente se não tinha alternativa e tinha uma família para sustentar, alimentar e educar, com conforto, mas, com honestidade e dignidade? Então pensem muito bem nisso! Com este passo que me adianto a dar, estarei construindo para vocês, uma outra rota, em outro tempo, de outra esfera, porém, mesmo distante, sempre estarei com vocês em meu coração e espero que vocês me tenham nos seus...

Não se sintam tristes, aborrecidos ou impotentes por me virem assim. Deem-me, suas orações, seus corações, seus apoios, um pouco de atenção! Compreendam-me, não me julguem e me apoiem, como eu, várias vezes, fiz com vocês, no início das suas vidas!

Da mesma maneira que os acompanhei em seus caminhos, peço-lhes que me acompanhem para terminar o meu, com dignidade. Deem-me o amor e a paciência, que eu as devolverei em gratidão, com o imenso amor que tenho por vocês, meus filhos queridos, de lá, onde Deus determinar, que eu deva ficar, porque agora acredito e tenho certeza da existência da vida após a morte. Baseio minha assertiva nas experiências que, por duas vezes, vivienciei e nas inúmeras vezes que Deus me concedeu tantos LIVRAMENTOS.

Atenciosamente, grato por tudo e pelo presente que vocês foram em minha vida. Seu, futuro, velho e decrépito pai. jan

jlc
Enviado por jlc em 06/03/2015
Reeditado em 03/04/2015
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