O Nariz de Palhaço

Há muitos e muitos anos vi um palhaço se despedindo. Frente ao espelho,ele tirava aos poucos a sua maquiagem. Lentamente limpava o seu rosto, as cores iam sumindo. Tudo era feito na lentidão que o instante exigia. Fixei-me nele. Qual a proporção desta despedida? Quem sobreviveria a ela e quem morreria? Observava-o, ele era metade palhaço e metade homem, mas também era somente homem ou somente palhaço. Viveu da sua arte. Daquela espalhada no picadeiro, mas que trazia em sua alma. Isto mesmo, arte dele nascia nele. O palhaço não era exatamente um corpo coberto de cores, nem um rosto pintado e com um enorme nariz vermelho. Talvez eu soubesse o tempo todo quem ele era e talvez ele vivesse desta expectativa de ser descoberto. O palhaço...ah o palhaço, ele esconde a sua nudez. Seria esse último instante a liberdade dele ou o passo para o seu aprisionamento? Tenho saudades daquele rosto no espelho. Tenho saudades do artista do riso. Não me recordo do seu nome, apenas do olhar que chorava a quem pudesse perceber.

Mas porque o olhar do palhaço chorava? Imagino que ali se encontravam o homem e o palhaço frente ao espelho. Ambos sussurrando a vida um ao outro, como se tomassem juntos uma bebida destilada e capturassem o instante, na busca pela resposta e no medo de encontrá-la. Ele foi depositando sobre a mesinha do espelho a sua fantasia. A todo tempo eu esperava o exato momento em que ele depositaria o enorme nariz vermelho. Sim, aquele nariz plastificado, de vermelho vivo, aparentemente redondo, era quase o coração do palhaço. Eu sabia que esse gesto marcaria o fim. Mas eu apenas não sabia se seria o fim do homem ou do palhaço. Havia um cheiro forte de pipoca no ar, cabeças maiores e menores que a minha cobrindo e descobrindo a cena. Elas se moviam indiferentes, como formigas apressadas ou perdidas, tinham enormes estômagos, insaciáveis! Quando as cabeças se foram pude então olhar para o espelho, mas era tarde demais, o nariz vermelho estava ali depositado. Como pode ser se eu não vi o exato momento? O palhaço havia desaparecido!

Simone Stone
Enviado por Simone Stone em 11/03/2015
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