Salud

21 de janeiro, 2015. Maringá – PR

Minha pequena,

Iniciei mil vezes o diálogo e não mandei, então apenas observei à surdina a opção de “online” que me mantivera já tão perto de você. As brancas noites da Itabira de Drummond, os sambas na aurora de Murilo Mendes, as madrugadas já inspiraram tantos poetas e, no entanto eu durmo em todas elas olhando pra sua foto no whatsapp. Eu poderia ler todos os livros do Nietzsche, poderia visitar a Catedral de Notre Dame, assistir a todos os filmes do David Fincher ou rever os meus desenhos preferidos da infância. Mas todos os caminhos da minha internet nas madrugadas me levam ao seu whatsapp. Ah, aqui no meu quarto, sozinha, não sei do seu querer, aí, do outro lado, tudo na suavidade do silêncio. Mas aqui, não há jeito… Tenho me fatigado tanto com meus sentimentos, responsabilidades e toda essa pressão do “será que sou capaz?” que a verdade é que não me sinto capaz de nada. Não me sinto capaz nem de conversar normalmente com você sem que tudo volte à tona. Prefiro me manter distante.

Escrevi-te uma carta essa madrugada de insônia. Estava a ler a “Carta a Vera Antoun” pela milésima vez e pensei em te escrever. Você sabe muito bem como Caio Fernando de Abreu é meu escritor preferido e também sabe como ele me lembra você. Como você está? Por mais que estejamos distantes, não só fisicamente, eu necessito saber como você está, meu sossego pede por isso. Bom, sua resposta imaginária ecoa na minha mente já que a carta eu nunca enviei, e provavelmente nunca enviarei.

Qual seria o porquê então, de se escrever uma carta nunca enviada? Não sei direito, talvez uma forma de te eternizar. Uma forma de te guardar e te colocar na minha gaveta. Quando a saudade bater aqui, e quando ela vem quase derruba a porta, eu vou correndo e te pego. Além de que, escondidinha assim, te tenho só para mim. E assim vai até o dia em que a saudade se perder no caminho e não me visitar mais. Quem sabe semanas, meses, anos... Só deixa ser como será já dizia o grande poeta Rodrigo Arantes. Só sei que agora não estou em um momento bom, mas quem sabe amanhã passou? E os motivos concretos transcendem do plano pessoal para o real, não é fossa. Fossa dá ideia de uma coisa subjetiva e narcisista. São soluções tão insolúveis que até a química fugiria dos cálculos porque tentar não adianta nada.

A minha maneira de fugir, tu sabes bem, é bebendo. Andei bebendo todos os dias, desde o dia que paramos de nos falar, em grandes e repetidas quantidades. E quando estou ao efeito da bebida só tento não pensar em você, pelo menos essa hora do dia você não pode passar pela minha mente, senão já era. Nos contatos que tenho com gente da minha geração, ou de outras mais velhas, tento minha lucidez, mas percebo de maneira intensa a mesma sensação de inutilidade e lá estou eu bebendo de novo. Agora em um bar, em uma mesa com meus amigos que bebem pra se alegrar, mas eu não. Pelo menos não estou trancada em um quarto bebendo escondido dos meus pais ao som de King Of Leon não é mesmo? Talvez seja eu que enxergue todos de forma pessimista. Ou o mundo está um tremendo porre mesmo.

Inclusive estou bebendo uma dose aqui, Salud

Lola S
Enviado por Lola S em 19/11/2015
Reeditado em 02/05/2016
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