Carta para um colega (6)

Carta para um colega (6)








Prezado colega, escrevo por necessidade e também para fazer um humilde pedido. A necessidade chama-se desabafo, algo que parece sem vazão satisfatória. Creio que só vou sossegar quando ver um camburão bem grande levar para um passeio de ida alguns indivíduos. Quanto ao pedido, é o de sempre. Necessito do seu grau de expertise para fazer a tradução dos fatos das últimas 48 horas e breve prognóstico para as 48 horas seguintes. Afinal, o que se passa, o Bem irá triunfar? Palavra que falta pouco para eu comprar uma camisa da seleção e me bandear para a manifestação mais próxima. Devido a uma certa debilidade que espero que seja passageira, impossível prometer acentuada permanência, sob pena de voltar de ambulância ou carro fúnebre.

Ah, você soube? Aconteceu na Paulista - policiais militares bateram continência aos manifestantes. Em igual período, na mesma capital, juízes se apinharam na porta do fórum em solidariedade ao sr. Sérgio Moro e cantaram o hino nacional.

Seriam as zelites? Ou, o que se passa agora comigo, com os juízes, com os policiais e outros milhões de patrícios pelo país a fora significa pura e simplesmente que toda energia busca resolução, busca voltar para um estado puro de serviço à consciência?

Cada vez que as TVs exibem as fachadas daqueles que não pronunciamos os nomes, bem, clareia o fato de os inscritos no espectro ideológico a favor de ao menos um projeto de nação revirarem mais e mais os olhos e, pfiu, náuseas, nem é necessária a imagem, basta a menção aos envolvidos.

Um alarmante indício de degeneração moral (ou mental?) se mostra quando alguém lê uma denúncia contra um desgraçado desses, denúncia farta de evidências, então sente raiva do jornalista que apurou os dados, do conhecido que compartilhou a matéria, e da justiça que investiga o caso; jamais do facínora.

Estou delirando ou a degeneração grassa?

A seguir, colo texto de um dito pensador, que reluto em assinar embaixo: "Os últimos acontecimentos provam, da maneira mais cabal e inequívoca, que o Estado criado pela "Nova República" é imune ao clamor popular, é uma estrutura autônoma que paira, inalcançável e inatingível, acima da Nação. "Nossas instituições", diante das quais tantos se prosternam em adoração, são um círculo de proteção construído em torno da criminalidade triunfante e do golpismo mais cínico".

Bem, a palavra golpismo anda em voga, bem como a tarja "chefe da quadrilha", além da folclórica terminologia "coxinha". Essa última me intriga. Os 50 milhões que votaram no sr. Neves, ou parte deles, o fizeram para afastar do galinheiro raposas mal intencionadas. Muitos afirmam que estariam apenas trocando 6 por meia dúzia. Assim, ideologias a parte (que por sinal inexistem), os homens e mulheres vestidos de verde amarelo (oficialmente ainda cores da nossa bandeira) que estão acampados na Av. Paulista, são meros idiotas, coxinhas, zelites, burgueses, ou, no meu leigo entender, brasileiros e brasileiras que não recebem um chequinho do estado e se aventuram em montar pequenos negócios, gerar empregos, prosperar, viver a vida com dignidade?

Aproveito o ensejo desta missiva para agradecer uma vez mais a oportunidade única de frequentar vossa escrivaninha e ganhar orientações valiosas durante este ano e meio de convivência recantista.

O amigo bem disse que "Destino e porto são desconhecidos....". Mas isso foi em 12 de março. E agora? Mudou alguma coisa?

O excelentíssimo sr. ex-presidente da república disse ontem (publicado no Estadão de ontem) que é a única pessoa capaz de incendiar o país. Puxa, que virtude memorável. Ora se isso não perfaz um belo dizer, digno de um grande homem, dá orgulho ouvir coisas assim, assaz salutares, nem vale mencionar as falas tão coloridas nas gravações apreendidas e divulgadas. Um autêntico gentleman. Ainda de acordo com o Estadão, o mesmo ser aventa ou aventou incentivar a militância a dar porrada nos coxinhas. Pobre homem, ainda não entendeu que a verdadeira unidade ocorre quando forem varridos da face da terra os fazedores do uso indevido das contribuições dos outros para seus próprios propósitos.

Nem me atreverei a falar de cultura.

"Cultura é o que sobra quando todo o resto é esquecido".
(Selma Lagerlof - escritora sueca, Nobel de 1909).

Deixo um grande abraço ao amigo e fico à espera de suas próximas publicações.

Bernard

 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 18/03/2016
Reeditado em 27/06/2020
Código do texto: T5577094
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.