Feito raiz
20.08.06
Mui caro Venceslau,
Esta carta que te escrevo é bem simpática, pois as folhas de papel cheiram a uma defumação suave qualquer. Elas são meio antigas, e estavam pedindo que as escrevesse. Quero te falar sobre uma experiência única e primeira que vivi há uns dias atrás e que só agora tive coragem para contar. Percebes como a tinta se espalha pelo papel como que em ramificações em diversos lados? Enfim. Anteontem - se não for, não me lembro quando -, eu cheguei em casa bem cansado. Quis de imediato ir dormir, afinal, fazia dias que eu não dedicava uma tarde inteirinha ao sono. Apaguei as luzes, mas preferi manter a televisão ligada. E foi aí que, como uma coisa esquisita, meu corpo criou raízes: enraizei-me àquela cama, que adquiriu o formato do meu corpo. Como se o leito passasse a nutrir de não-sei-o-que o meu sono leve... Feito raiz, dormi mesmo assim. Quando acordei, foi como se estivesse brotando numa manhã de orvalho; estava salpicado de descanso, quase vida nova. Aliás, penso que a cada vez que nós acordamos pela manhã, bocejamos para dar as boas-vindas a uma vida nova e descansada, revigorada e feita. Nascemos feito planta a cada manhã.
Meus dedos estão meio pegajosos do manejo destas folhas. Espero profundamente que tu estejas bem e que esta minha experiência não tenha te afetado muito. Mas enraíza-te também para veres até onde vais.
Sinceros abraços do
René.
PS: diga a mamãe.