À minha amiga Equilibrista

De algum lugar no mundo, hoje.

Cara amiga, Equilibrista

Ontem eu assisti a um dos seus espetáculos e senti vorazmente o desejo de ter contigo, ainda que fosse apenas, única e exclusivamente através dessas más traçadas linhas, como cartas que não mais se escreve.

Quando estavas na corda bamba e seu guarda-chuva brilhava ofuscante encadeando a visão da plateia, consegui ultrapassar a luz e percebi que havia uma lágrima ainda mais brilhante nos teus olhos. Fui tomada de um sentimento de resvalamento, como se a tua lágrima me conduzisse a um profundo despenhadeiro, mediado por uma corda elástica, daquelas que só os esportistas radicais ousam flutuar num salto, por pura paixão pela aventura de saltar.

Senti a poesia naquela lágrima que exprimia a intensidade de um lago profundo, cuja transparência elucidava a dor de uma menina que perdera a boneca, mesmo sem ter experimentado ainda a transição da puberdade. Desejei estender-te a mão, oferecer o ombro para sair daquele arame, e ainda que isso não tenha importância, não compreendo porque chamam de corda.

Fui ao camarim quando o espetáculo terminou, mas estava vazio. Não sei bem para onde tu fostes. Talvez chorar por direito em algum lugar que a luz não fosse maior do que aquilo que sentias. Desde criança ouvi dizer que a arte imita a vida, mas preciso entender porque as vezes precisamos fugir da vida em nome da arte. Cheguei a conclusão de que até mesmo tu, personagem de aura luminosa e doce encantamento, possuidora do domínio da arte de equilibrar, alvo do desejo curioso daqueles que a aplaudem, tu também sente, ama e chora.

Lembrei-me de um dia qualquer, de uma das várias conversas informais entre mim e outra amiga, o destaque de uma conjectura: "podemos estar entre o limiar da fantasia e da ilusão onde reside a realidade". E nela, sob essas circunstâncias, lá estavas tu. Tu na corda, a lágrima era o lago.

Foi assim que conheci finalmente a tua alma, minha bela Equilibrista. Ou pelo menos supunha que te conhecera. Em meio a um surto de estranhezas... (não só as minhas, as tuas também). Num momento desses em que um quadro que descreve a imagem de alguém se afogando e as sensações que o levaram a esse afogamento, pode parecer algo incrivelmente despertador. Almas solitárias que se cruzam sem a certeza de que se sentirão afagadas. Eu me senti. E sob as palavras que tão singelamente te escrevo, sinta e receba o meu desvelo.

Da amiga, que poeticamente assina:

Olhos Flamejantes