Sobre ser só as 17h14 de 05/09/2017 no trânsito de Florianópolis.

Ser só é começar a segunda-feira feliz porque na terça terá entrevista de estágio. Mas como você só viu o e-mail a 1 hora da madrugada, é não ter quem abraçar para compartilhar a felicidade.

Ser só é ter ansiedade a 01h da manhã de segunda-feira por conta da entrevista de estágio e de outras coisas mais. Mas como você não tem com quem jogar conversa fora, é escrever para conseguir externar o que sente.

Ser só é conseguir pegar no sono só depois das 05h da madrugada e não ter quem levante antes e faça o café para você poder dormir mais.

Ser só é ir trabalhar na segunda-feira com sono e com o peso do cansaço de uma semana inteira nas costas, sabendo que a noite você tem aula e que depois da aula não haverá ninguém para te massagear ou fazer qualquer coisa que ajude a aliviar a dor, como por exemplo um simples chá.

Ser só é sair do trabalho cansada, com fome e com dor e decidir gastar 3 reais - dos últimos 25 que se tem para sobreviver nos próximos dias - em um sorvete de casquinha. Começar a comê-lo com a gana de uma criança com lombrigas de desejo e quando se olha para frente pra atravessar a rua, "dar de cara" com o sorriso da mulher mais bonita da universidade. Mas como é só, não tem para quem dizer que sentiu vergonha por certamente estar com cara de boba.

Ser só é chegar na aula e observar o comportamento machista de um professor que invalida tudo que é dito pelas mulheres e aplaude tudo que é dito por homens. É ficar puta da cara com isso, mandar para algumas pessoas no whatsapp, mas não ter quem segure firme a mão pra você sentir o mínimo de conforto.

Ser só é sair da aula cansada, com fome, com dor, triste e puta da cara e ouvir um "vamos tomar uma cerveja?" e aceitar sem pensar, afinal um porre seria no mínimo, oportuno. É gastar mais 8 - dos então 22 últimos reais - em cerveja e ganhar mais umas tantas na proposta de que na próxima é você quem paga. Mas como é só, o porre não vem junto com cuidados e então trançando as pernas você precisa encontrar o caminho para casa sozinha - acredite, isso não é tão fácil quanto parece -.

Ser só é chegar em casa - sem saber ao certo como chegou - cansada, com fome, com dor, triste, puta da cara, bêbada e sem forças para tomar banho. Mas como se é só, qual o problema em dormir sem tomar banho?

Ser só é acordar na terça-feira as 08h da manhã, acredite você ou não, sem ressaca e sentindo-se descansada. É sentir que as magoas foram mesmo afogadas nas latas de cerveja. É querer fazer café da manhã, mas como se é só, não ter para quem dar bom dia sorrindo e fazer ovos mexidos.

Ser só é chorar as 11h da manhã porque sentiu vontade de dizer a uma amiga o quanto a ama, mas como ela mora longe não ter a possibilidade de abraça-la e como se é só, também não abraçar ninguém mais.

Ser só é sobre traçar sua própria rota para chegar na entrevista de estágio (lembra?) porque como é só não tem quem te leve ou acompanhe até lá.

Ser só é sobre ter medo de que o passe para o local da entrevista custe mais que 7 reais, já que você só tem 14 reais. É sentir-se com sorte ao pagar 6 reais na passagem, mas então ter medo de se perder e precisar de alguns trocados mais. Não me entenda mal, eu tenho amigos e família que me emprestariam, mas ser só é preferir não pedir por medo que essas pessoas se preocupem com o fato de você não ter o dinheiro do ônibus. A situação realmente não é das melhores, mas tudo bem! Eles entenderiam o problema maior do que realmente é.

Ser só é sobre sair de casa 3 horas antes da entrevista por ansiedade e medo de se atrasar. E como é só, não há ninguém para dizer que você pode estar exagerando.

Ser só é descer no ponto errado e ter que caminhar até o local. É morrer de ansiedade, mas como é só, falar sozinha em voz alta para tentar manter a calma.

Ser só é chegar na entrevista 25 minutos antes da hora e ficar feliz por ser ansiosa, afinal as 3 horas de antecedência ajudaram a não se atrasar. Mas como é só, compartilhar essa "felicidade" com o twitter e se sentir falando sozinha.

Ser só é sair da entrevista sem resposta e ainda mais ansiosa, ficar sem bateria, mas como é só, tudo bem, afinal não há ninguém que precise ser avisado de um possível atraso.

Ser só é pegar fila no trânsito sentindo-se ainda mais só e tentando entender porque.

Ser só é ainda estar no trânsito (19h20) escrevendo sobre como é ser só, afinal não haverá quem ouça teus devaneios quando você chegar em casa. E veja bem, nem pra casa você vai, já que ainda tem que ir para a aula, talvez ouvir um ou outro comentário pejorativo - que a propósito já são recorrentes - sobre a tua roupa e modo de ser, já que você é uma sapatona que não performa muita feminilidade.

Ser só é imaginar como outras pessoas são também sós. É lembrar que sua mãe tem depressão e que ser só para ela já tornou-se um estado de espírito, que deve ser pesado e desolador.

Ser só é buscar sozinha coisas boas em ser só para contar para a mãe que existe um lado bom nisso tudo.

Ser só é descer do ônibus - que finalmente chegou no terminal - pensando em dizer que ser só não é bom, mas que ela não é só porque tem a mim (e também à várias outras pessoas). É perceber que eu também tenho a ela e que então talvez eu não seja tão só assim.

Mas logo após perceber que ser só não significa sentir-se só. E que ruim mesmo é sentir-se só.

Ser só é então perceber que somos sós no mundo, pois devemos cuidar de nós mesmos em primeiro lugar. É quase que o famoso cada um por si. Porém com a consciência de que existem outras pessoas com a mão pronta para nos estender.

Sentir-se só não é sobre estar só. Sentir-se só é sobre um estado de espírito que nos toma por diversos motivos deixando a mente triste e a alma meio vazia.

Ser só, mas não sentir-se só, é sobre chorar no meio do centro, sentir vontade de abraçar tua mãe e convence-la de como existem diversas pessoas por ela.

Ser só, mas não sentir-se só, é desviar o caminho da faculdade para passar na casa de umas amigas e abraça-las - já que a mãe está longe demais para isso - afinal você acabou de perceber que existem pessoas que estão por ti na vida.

Ser só, mas não sentir-se só, é ter medo de dar com a cara na porta e não ter ninguém para abraçar, mas saber que mesmo não estando lá nesse exato momento, tuas amigas ainda estarão com a mão estendida para ti, seja para tristezas ou felicidades.

Ser só, mas não sentir-se só, é perceber que existiam pessoas ao meu redor o tempo todo nos últimos dias mas eu não conseguia enxergar devido ao vazio do estado de espírito sentir-se só.

Ser só, mas não sentir-se só, é perceber que mesmo com pessoas em volta, temos capacidade para passar por diversas coisas sozinhos. Como eu com a minha ansiedade. Afinal falar sozinha no meio da BR foi uma forma divertida de lidar com um problema que é meu e que nem tenho o direito de depositar em alguém, esperando uma solução milagrosa.

Ser só, mas não sentir-se só, é preencher um pouco o coração e alma com amor próprio.

Ser só, mas não sentir-se só, é chorar (01h20, quarta-feira) terminando de escrever esse texto. Chorar de felicidade por mim e de tristeza pela minha mãe, que talvez se sinta 1000 vezes mais vazia do que eu me sentia até algumas horas atrás.

É não saber como acabar esse texto, porque talvez ele não diga nada e ainda cause sofrimento.

É não querer mais escrever. É se perguntar porque é tão difícil dizer que ser só, não é o mesmo que sentir-se só.

Talvez esse texto não seja sobre mim. Talvez esse texto seja sobre você que quando faz diversas coisas sozinha, ao em vez se sentir-se feliz pela autonomia dos teus atos, se sinta sozinha pelo estado de espírito ao qual está posta. E quando faz coisas acompanhada de pessoas, ainda se sinta sozinha pelo estado de espírito ao qual está posta. Isso não é sobre estar só - muito menos sobre ser só -. Isso infelizmente é sobre sentir-se só.

VOCÊ NÃO ESTÁ SÓ, MÃE!

Aline do Amaral
Enviado por Aline do Amaral em 06/09/2017
Reeditado em 06/09/2017
Código do texto: T6105896
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