Sobre Músicas, Sonhos, Pensamentos e Lembranças

Eu realmente não sei sobre o que quero escrever. Estou há alguns dias com essa coceirinha nas pontas dos dedos e esse calor no peito, algumas frases de efeito martelando na mente e algumas músicas do cotidiano (e aqui é preciso que saibam que as músicas do meu cotidiano são bem diferentes das músicas do cotidiano de qualquer outra pessoa da minha idade - que o digam meus familiares e amigos) me emocionando mais que o normal e até me arrancando lágrimas.

Ontem, por algum motivo que não sei qual, me lembrei, durante o trabalho, de Uma Oração (A Banda Mais Bonita da Cidade) e passei o dia inteiro cantarolando essa música. Ao fim do expediente, já sozinha na clínica na qual trabalho e me arrumando para ir embora, resolvi dar voz a essa música. O que já seria uma tragédia anunciada, já que minha voz, quando canto, mais parece a de uma taquara (tacoara?) rachada, conseguiu se tornar uma tragédia maior ainda.

Vou explicar: quem me apresentou essa música foi um mocinho muito importante em minha vida (e aqui eu sorrio, porque geralmente as lembranças dele me fazem sorrir) mas que já não trilha mais os mesmos caminhos que eu. Enfim... enquanto cantava, fechei os olhos por uma fração de segundo, talvez só tenha sido uma piscada de tempo comum, mas vivenciei novamente o dia no qual conheci a música...

E estávamos nós na casa dos pais dele, sentados ainda à mesa depois do almoço esperando a mãe dele trazer aquele arroz doce que ela havia feito pra mim, o pai dele também ainda sentado ali brincando com a minha filha. Conversávamos enquanto ele mexia no celular e aí ele me perguntou:

_Você já conhece A Banda Mais Bonita da Cidade?

_Oi? Que banda?

_A Banda Mais Bonita da Cidade.

_Dessa cidade?

(Risos dele e do pai dele)

_A Banda Mais Bonita da Cidade, conhece? Já ouviu?

_Meu bem, eu não conheço nenhuma banda daqui de Matias.

(Mais risos dele e do pai dele - gosto de pensar que o pai dele ria da brincadeira que estava tendo com minha filha, não me tirem isso, tá?! Por favor?!)

_Vem cá pra você ver o vídeo.

E aí ele me mostrou, no youtube, o clip dessa música. E eu o achei tão bonitinho (sem cortes na gravação) e a música é tão gostosa que eu me encantei.

_Ah tá! A Banda Mais Bonita da Cidade é o nome da banda. E o nome dessa música é...?

_Uma Oração (claro que ele me respondeu entre risos).

Eu logo quis ouvir outras músicas daquela banda que não era a mais bonita de Matias Barbosa, já que não é de lá. E ai nós conhecemos juntos a música Nunca "(...)Não, não é o fim, dure o tempo que você gostar de mim

Entre o não e o sim, só me deixe quando

O lado bom for menor do que o ruim".

O pai dele ainda brincava com minha filha e ela soltava gritinhos enquanto ria.

Lembro-me de ter olhado para o mocinho e ter dito "só me deixe quando o bom for menor que o ruim, só fique comigo enquanto me amar". Ele me beijou depois disso e me disse que me amava.

Em seguida ele me apresentou a música Brincos do Lula Barbosa, que música linda! E ali nós ficamos por um tempo, vendo vídeos, ouvindo músicas, comendo arroz doce e ouvindo o meu sogro brincar com minha filha. Foi uma tarde feliz, embora bem simples.

Mas eu sempre acreditei mesmo que a felicidade estivesse nesses momentos simples do dia-a-dia, por isso eu sempre os valorizei muito.

E nessa piscada que só durou uma fração de segundos, abri os olhos e uma lágrima escorreu, a voz tremeu, senti saudade daquele dia, do meu ex sogro que faleceu em março deste ano, da minha ex-sogra que havia vindo me visitar no dia anterior, e do meu ex namorado que havia aniversariado no sábado. Continuei cantando entretanto, mas com uma enxurrada de lembranças invadindo minha mente.

Como eu não ia a faculdade ontem, passei no mercado no caminho para casa e comprei macarrão. Enquanto eu o preparava em casa, deixei o celular tocando músicas de forma aleatórias. Escutei, entre tantas músicas, Retalhos de Cetim com Benito de Paula. Essa música eu escutei duas vezes, enquanto eu a cantava entre os protestos de minha prima que reclamava das músicas que estavam tocando. Segundo ela, em meu celular só tem música velha e que esta, em especial, era pré-histórica. E eu berrei "E eu chooooreeeeeei, na avenida eu choreeeei. Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei".

Mais uma piscada, mais um sorriso e mais um devaneio. Me lembrei de nossos carnavais juntos. Nós não saíamos, passávamos de sábado a quarta-feira de cinzas em casa, mas nos divertíamos tanto! Momentos que são só nossos, que passaram e que creio que não mais voltarão.

Mais uma lágrima escorreu.

Tocou Escravos de Jó, Livre Pra Voar, Pelados em Santos, Alone, Primeiros Erros, Pinhal, Espanhola, Set Fire To The Rain, Quando, Como Nossos Pais, A Moda Do Sapo e... Oração (A Banda Mais Bonita da Cidade).

Qual não foi a minha surpresa ao escutar a música da qual eu havia me lembrado mais cedo!

Como minha prima ainda protestava pelas músicas (havia acabado de tocar A Moda do Sapo, afinal de contas. Música infantil e minha filha nem estava em casa já que havia ido dormir na casa do pai), eu argumentei:

Tá vendo?! Não escuto só música velha. Tem essa música aí no meu celular.

_Essa é a música mais nova que tem no seu celular, e ela nem é tão nova assim mais.

_Mas no meu celular também tem aquela do Chora, Me Liga, tem Mala Pronta.

_Que são mais velhas do que essa e que, quando começam a tocar você passa pra frente (é verdade, eu faço isso mesmo).

Fiquei sem ter o que falar.

Como já tinha terminado de comer meu macarrão, interrompi a música.

Enquanto dormia tive dois sonhos, os dois com ele, com o meu ex namorado.

Sonhei que havíamos combinado de nos encontrar em algum lugar e eu estava atrasada (pra variar) e não conseguia encontrá-lo. Eu chorava e tentava ligar pra ele mas não conseguia falar. Acordei chorando, como já há alguns meses não acontecia mais. No segundo sonho, eu estava no mesmo lugar do anterior e ouvi uma música tocar e fui atrás da música. Era meu pai quem tocava, no violão (e há anos ele não toca o violão dele), a música que minha mãe amava. Moça, como eles a chamavam, mas cujo nome real, segundo meu pai, é Na Dança da Vida. A música é linda, embora a internet não tenha sido boa com ela (enquanto escrevo aqui, pesquisei a música na internet mas a encontrei muito mal escrita. A música canta assim "Moça um dia surgiu na dança da vida/E apareceu sem par/Fita branca na trança/E saia da cor do mar/Fez um passo e girou/Na dança tomou lugar/E eu, de tolo chorei/Por ter já, na dança, um par/Mas a moça seguiu na dança/E nem viu que suspirei de dor/Que me fiz cantador/Pra um modo de não chorar/Mas se o dono do tempo/Houvesse por bem voltar/Hoje, a moça e eu,/Na dança, seria um par/Tem gente que me pergunta/Quem é a moça,/Qual o nome/E a idade/Ah o nome!/O nome pode ser o de qualquer namoradinha/Carregadinha de pureza/E a idade?/Ela tem o tempo justo/Justinho entre uma rosa florada/E um botão de primavera./O mais importante?/O mais importante/É que eu a fiz minha namoradinha/Para todo o sempre/E para toda a vida./Engraçado! Ela nem sabe que eu sou vidrado nela/Chato, né?!/Muito chato/Mas se o dono do tempo/Houvesse, por bem, voltar/Hoje, a moça e eu/Na dança, seria um par), e o meu pai, como sempre, a cantava de forma maravilhosa em meu sonho também. Me posicionei atrás dele e, ainda prestando atenção ao meu pai cantando, procurei uma cadeira para me sentar e então eu o avistei, o meu ex, o meu amor, ali, parado, ouvindo o meu pai tocar e cantar aquela bela música. Ele, assim como eu, gosta muito de música. E nossos olhares se cruzaram e ele caminhou até mim sorrindo, aquele sorriso sereno, me abraçou com aquele abraço no qual eu encaixo direitinho, aquele abraço ao qual eu ainda pertenço... acordei chorando de novo. Que saudade! Que vontade de sentir aquele abraço de novo! Que vontade de pertencer a ele!...

Voltei a dormir, mas não sonhei mais.

No ônibus, a caminho do trabalho, coloquei os fones de ouvido e comecei a escutar música. Lembra que eu interrompi Uma Oração na noite anterior? Era essa a música que estava tocando, então. Fechei meus olhos, sorri e, pra variar, mais um devaneio. Mas dessa vez, quando pisquei os olhos, me lembrei de minha mãe.

E lá estava eu no corredor da casa na qual morávamos, eu tinha os meus 4 ou 5 anos e ela ainda não havia sofrido o AVC. Era fim de tarde e ela estava em frente ao espelho, se arrumando. Ela era muito vaidosa antes do avc, vaidade que eu não herdei.

Me lembrei de que na época passava a novela Perigosas Peruas e eu a assistia com minha mãe e alguém havia a chamado de perua.

A música de entrada da novela (... tira e bota, troca troca, sai da toca...) veio em minha mente na mesma hora. Me lembrei de que, quando a vi ali, linda, se arrumando, bati palma três vezes e exclamei: "Perua!"

Não me lembro de mais nada desse dia. Mas essa lembrança, essa em específico, ficou tão nítida que eu tive a impressão de sentir o perfume que minha mãe havia acabado de passar. Ele tinha um vidro cilíndrico, com desenho de um rosto de mulher na frente e tinha uma tampa redonda vermelha. Minha mãe colocava sempre um pedacinho de plástico ao fechar o vidro "para ele não evaporar", ela dizia.

E, ao acordar desse devaneio que só durou o tempo de uma piscada de olhos, não uma, mas várias lágrimas escorreram.

Eu escutava "Coração não é tão simples quanto pensa"e pensei que não é mesmo; "Nele cabe o que não cabe na despensa, cabe o meu amor" e me lembrei dos dias em que tínhamos apenas arroz e ovo para comer, me lembrei de fingir não estar com fome para não comer e sobrar para alguém... mas me lembrei de brincarmos todos os dias, de rirmos diariamente, me lembrei de quando cortaram a luz de casa e nós ficamos jogando 7,5 a luz de velas, de quando a caixa d'água começou a vazar pelo ladrão, dela entrando lá em baixo daquela água para se refrescar, de quando ela me trancava na rua usando a minha chave só pra me fazer pular o portão (e quando eu estava lá em cima ela abria o portão)...; "Cabem três vidas inteiras, cabe uma penteadeira" e a minha mãe que, antes do avc era tão vaidosa, escondeu a penteadeira da vaidade em algum lugar dentro dela mesma e continuou criando a mim e a minha irmã da melhor forma possível, dentro de suas limitações físicas e financeiras; "cabe essa oração" já era o fim da música. Achei que seria legal fazer uma prece, mas aí começou a tocar O Pato Pateta e eu comecei a rir. Rir mesmo, da moça que estava sentada a minha frente se virar para ver do que eu estava rindo. Acontece que fui mais uma vez transportada para a minha infância. Morávamos ainda em Itacarambi, bem antes de minha mãe sofrer o avc, era a tarde e estávamos escovando os dentes para irmos a casa da tia Judite. Eu falei:

_Bom dia!

_É boa tarde que fala.

_Mas tá de dia mãe.

_Não. Está de tarde.

_Mas tem sol, tá claro. É de dia. É bom dia.

_Não Ina. Depois de certa hora, depois do almoço, a gente fala "boa tarde".

_Hm... Boa tarde!

_Boa tarde!

Me lembrei de quando a Bianca, a nossa Doberman, deu cria. Não me lembro o motivo mas lembro que minha mãe tratava de um filhotinho na mamadeirinha. Fez meu pai instalar uma lâmpada em um armário que tínhamos na copa (ou sala, sei lá!) para que o filhotinho ficasse aquecido. Não me lembro se ele sobreviveu, mas eu me lembro de minha mãe segurando o filhotinho no colo e cantando O Pato Pateta e eu cantando junto. Lembrei da Dora me ensinando a cantar essa música e de quando eu a cantei na cozinha sozinha. Como não rir?

Voltei a mim quando já estava tocando My Immortal e me dei conta de que nem vi quantas músicas já haviam passado; mas já era hora de descer do ônibus, acordar dos sonhos e voltar do mundo das lembranças para o mundo real. Eu precisava chegar ao trabalho.

Tirei a música, desconectei o fone de ouvido, e comecei a escrever este texto sobre músicas, sonhos, pensamentos e lembranças... Pronto. Achei um título para o meu texto: Sobre Músicas, Sonhos, Pensamentos e Lembranças.