Alegria sem saudade

De repente, a vida seguiu. As tantas horas que passamos no telefone e os planos de um futuro imaginado tonaram-se apenas um lampejo de uma memória antiga, já quase desbotada. Em meio a tantos nascimentos que inauguramos cada vez que nos permitimos sermos quem somos, começamos uma nova etapa, distantes um do outro. Já não sei se seus olhos mudam de cor quando você usa blusas coloridas ou se o tom da sua risada ainda me tocaria a alma. Não sei, ao menos, se você terminou aquela série que, juntos, compramos todos os DVDs sabendo que ninguém mais usava DVDs. As tantas conversas que tivemos enquanto tentávamos descobrir quem éramos e quem queríamos ser reduziram-se a algumas fotos perdidas no meu telefone antigo, das poucas que restaram depois de tentarmos, em vão, apagar qualquer resquício um do outro.

Tentativas falhas no vão desejo de fingirmos que parte de nós não existiu. Hoje, quando procuro notícias nas mais improváveis fontes, pergunto-me se, de fato, existimos. Por vezes, nas noites que ainda passo acordada, tento me recordar da pessoa que fui, dos meus longínquos 15 ou, quem sabe, dos distantes 18 anos. Os tantos sábados repetidos, que pareciam monótonos por serem tão rotineiros são, agora, uma memória distante de uma menina criança que conhecia seu primeiro namorado. Dos nossos amigos, restou-me um. Um único sobrevivente daquele tempo que acreditava ser infinito, do tempo em que saíamos todos juntos e falávamos de tudo.

Confesso que, há muito, esse “eu” não me passava a cabeça. Revirei-me toda pra que a vida seguisse e, de repente, estava num lugar tão distante que já nem cogitava voltar. Até que, num desses segundos que a vida rouba de nós, tive notícias de você. Soube que estava feliz, a mil léguas daqui, seguindo o sonho que tanto desenhamos, morando em outro país. E, por mais que eu não me recorde dos detalhes do seu rosto ou do timbre da sua voz, fui tomada por um sentimento doce, por uma alegria sincera que já me era velha conhecida: torci por você. Por um segundo, senti algo como uma felicidade cega que, sincera, uniu-se a sua e, juntas, tornaram-se uma. Foi como se, naquele segundo, não tivéssemos nos desconhecido: tínhamos 15, talvez 18 anos e torcíamos um pelo outro. Não precisei me lembrar de nada, nem de você ou das tantas brigas que tivemos, lembrei-me apenas de um sentimento escondido no meu coração. Naquele instante, vi que a vida havia seguido e que nós dois estávamos felizes. Longe um do outro, havíamos tomado a decisão certa e seguiríamos realizando-nos.

Foi ali que o esqueci, por completo. E, de repente, os anos que passamos juntos eram apenas anos passados: uma alegria sem saudade por saber que você veio e fez um pouco do meu novo rosto. Uma alegria sem saudade por saber que, de tão novos, não nos reconheceríamos caso nos encontrássemos em alguma dessas tantas esquinas que a vida guarda pra nós.

Fernanda Marinho Antunes
Enviado por Fernanda Marinho Antunes em 12/10/2017
Reeditado em 12/10/2017
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