A Despeito da Roda da Fortuna, o Destino dos Homens

Minha doce e querida leitora (posto no termo mais técnico que lírico), hoje, neste fim de tarde úmido e agradável, onde os pássaros ensaiam um cantar suave, admirados apenas por mim e pelo imutável silêncio que ronda as cercanias onde moro (talvez o melhor dos presentes que Deus tenha me dado), pus-me a pensar sobre o Homem e o seu destino. Neste ponto, pode-se pensar que sou um tolo por não aproveitar o belo presságio que o canto vespertino dos pássaros traz ao ficar me ocupando com pensamentos tão obscuros e irresolúveis com estes, mas tenha em vista que essa questão, por mais que desagradável, me é muito cara ao interesse, pois, não sou eu então um homem em idade de encarar o seu destino? Graças a Deus você apareceu para me ouvir! Que belo exercício você me propôs e quão excitante ele se torna ao desempenhá-lo! Espero não te aborrecer ou te chatear (muito menos te entristecer) com esta carta e o seu tema, mas entenda que você é o mais formidável destino que minhas palavras já tiveram.

Enfim, estive pensando sobre o destino. Agora me ocorre que esse pensamento seja inevitável a qualquer ser humano, sem exceção. Os antigos gregos atribuíram a maternidade do Destino à Noite, símbolo da obscuridade e do misticismo. O deus Moros, o destino, era cego; designava o encargo devido a cada um sem ao menos olhar pra quem era! Que deus terrível! Quem concebeu tal ideia?! Taciturno, pensei sobre esse deus - em como ele opera e maquina para trazer e levar, soltar e amarrar as pontas que vem a ser os pontos e marcos de nossas vidas. Um deus cego, cego como ficou Édipo ao tentar escapar ao seu destino. Júbilo! Que sagacidade mordaz! Um herói trágico, vítima de si mesmo, a própria humanidade encenada, vencido onde menos esperava quando já achava ter vencido!

Repare, minha querida, como os monstros dos mitos gregos são sempre quimeras e nunca puros e simples: Édipo enfrentou a Esfinge, corpo de leão, patas de bode, asas de águia, rosto e seios de mulher; Perseu venceu o Kraken, mil tentáculos e um milhão de dentes, mas antes matou a Medusa, mulher com cabelos de cobras que transformava em pedra quem a olhasse; Teseu matou o Minotauro, meio homem meio touro, dentro de um labirinto: existiria maior desafio? Belerofonte montado no fabuloso Pégaso vencendo a Quimera. E ainda, o maior e mais terrível monstro, um titã que aterrorizava até mesmo os próprios titãs, o monstro que quase destruiu a tudo e a todos, que chegou a derrotar Jove, o maior de todos os deuses, mas que por fim foi vencido pelos segredos indizíveis de Cadmo, o poeta: Tifão, com cem cabeças de cobra e duzentos pares de braços e uma descomunal cauda de dragão!

Com exceção de Édipo (a quem merecemos mais cuidados), todos esses heróis tiveram de se apresentar a esses monstros desfigurados. Em cada mito, o monstro é o mais terrível e mais fatal destino para a humanidade e ninguém ousa enfrentá-lo, apenas o herói: ele deve surpreender o monstro, então vai em sua direção, firme e seguro de si, e é essa firmeza e essa segurança que o fazem vencer. Sabe do que eles falavam, florzinha? De nós mesmos. É esse o nosso pior inimigo e nosso maior e mais perigoso desafio: as quimeras da consciência que habitam nossa mente. Monstros que nos estraçalham todos os dias ao nos pegarem desprevenidos, moles e com a guarda baixa. Monstros que são invencíveis até ser a nossa iniciativa a começar a luta, de se apresentar ao problema, não a do problema de se apresentar a nós, até percebermos a multidão que vive dentro de nós, na infinidade de nosso universo particular.

A Roda da Fortuna nunca para. O Destino nunca perdoa. O Tempo (coisa da qual gostaria de um dia poder falar tendo o prazer de ser você a ouvinte) não teve começo e nem terá fim. O passado não se muda, o futuro não se escolhe, apenas o presente está aqui. Por isso o Destino é algo tão maravilhoso: ele só age no agora, nunca nos arrependimentos do passado ou nas expectativas do futuro. As Quimeras, Medusas, Esfinges e Tifões nos acompanham dia após dia, aguardando o melhor momento para atacar; o Destino nos dá a oportunidade do agora, do presente, da ação, de enfrentar os monstros da consciência: de ser trucidado por eles ou de trucidá-los e ser o herói.

Fique atenta, bela ninfa de cabelos pretos! O Destino está agindo agora, neste exato momento. Vire-se e veja quantas e quantos "eus" te cercam, te impedem de ser a heroína, de ter a firmeza e a segurança de arrancar a cabeça da Medusa e depois transformar o colossal Kraken em pedra. Sim, eu sei que parece loucura, mas comece a pensar em quantas faces você tem e quão terríveis são as aberrações que as suas incertezas e as suas inconstâncias criam. Lute, pequena, lute! Nessa questão não posso te dar minha espada e nem lhe oferecer meu escudo, a única coisa que posso fazer contra tais inimigos é te dar esse conselho: LUTE! Lute, pequena, e um dia cresceremos tanto que poderemos nos olhar nos olhos tendo as cabeças por sobre as nuvens!

Cordialmente, Jailson

P.S.: Escrever para ti é como ser um pássaro e se jogar da mais impossível altura, deixando que a gravidade nos puxe violentamente para baixo mas tendo a plena ciência de que ao abrir as asas, ascenderemos ao infinito do Céu!

JANascimento
Enviado por JANascimento em 02/11/2017
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