Criado-Mudo

Tem dia que é de se acordar cedo, virar pro lado e dormir até mais tarde, sem medo de perder a hora...

Despertar, respirar fundo: de terra e chuva sentir o cheiro. Colocar as plantas pra fora...

Chuvinha fina pro dia inteiro. Casa arrumada, (que sorte!)

E agora? Já se mescla com o cheiro da chuva o aroma do café forte. A sala está convidativa, nos intima, é acochegante: sofá de canto, tapete, puff, almofadas outro tanto... Se joga à qualquer instante instante.

Uma penumbra criativa, daquelas que a luz se esquiva penetrando finamente pela brecha da cortina. Esse é um dia daqueles que decretamos que podemos pensar em tudo e não fazer nada, olhar os álbuns, os murais de fotografias, os diarios, folhas rasgadas... As gavetas estão recheadas. O criado-mudo transborda um passado que muito nos fala. Mudo por que, se esse ao se abrir não se cala?

Holerites, contas pagas, o cartão de crédito perdido, ingressos de cinema, a chave do portão que já mandamos fazer outra, cartas recebidas e também, as não enviadas, a chave do coração, que por muito tempo deixamos fechado, (que sem chave foi arrombado e amado sem razão)...

Uma gaveta só de saudade, outra, de culpa sem perdão.

Uma gaveta vazia, à espera d'um futuro que viria, mas que perdeu a direção.

Num só instante, ligamos e desligamos a televisão, nem mudamos o canal, sebemos bem o que está passando, nada de interessante que nos roube a atenção, só não sabemos o que passa em nosso interior no instante dessa inquietação que nos tomou. E, tudo o que sentimos, é uma vagarosa saudade de um tempo que ainda não passou.

Optamos por uma música. Um Blues, ou um Jazz, ou uma bacana por aí: Legião Urbana, ou Engenheiros do Hawaii.

Abrimos o Word, ou o Bloco de Notas, mas logo se nota que preferimos com caneta à mão escrever.

... Mais uma carta à não enviar, uma poesia pra ninguém ler, ou, as prioridades para o novo ano que está a chegar (se bem me lembro, é Novembro, melhor se adiantar), ou, rabisco qualquer. Algo a mais pra gaveta guardar.

Deitamos no chão por um momento. O tapete e as almofadas recebem o peso dos nossos pensamentos, que variam as direções. Alguns, bem se vão, outros, entram em colisão.

Coisas que nos satisfaz e a nada e ninguém devemos explicação.

... Lá se vai uma caixa de bombom...

Brenon Salvador
Enviado por Brenon Salvador em 05/11/2017
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