São Paulo, Maio de 1.985
 
 
 
MEU QUERIDO PAI!
              
 
Estou dirigindo-me ao Senhor, por esta Carta, porque não teria coragem suficiente para dizer tudo o que estou guardando, há tempos, por telefone, ouvindo, talvez, o seu choro, do outro lado da linha.
 
Estamos distantes um do outro, há alguns anos, porém, o sentimento que temos, em nossos corações, é tão forte e vívido, que posso sentir, do lado de cá, o pulsar de seu coração, quando nos falamos!
 
A angústia que lhe proporcionei, quando, sem aviso prévio, saí do conforto de minha casa, do calor de seus abraços, de sua proteção e carinho, para buscar novos caminhos!
 
Se eu estava certa ou errada, não sei. Contudo, depois de todo esse tempo, nem vale a pena discutir nossos erros e acertos; durante esse tempo, já estivemos juntos por  diversas vezes, conversamos como bons amigos, como pai e filha, mas sempre nos desviamos, os dois, do que era mais importante discutir. Minha mudança de vida!
O motivo pelo qual eu saí de casa, tão jovem e inexperiente, como aconteceu! Por isso pai, hoje, enchi-me de coragem para tentar explicar-lhe as minhas razões!
 
Eu era muito feliz aí, junto a toda a minha família. O Senhor, meus irmãos e minha irmã, pois mamãe deixou-nos, quando eu era ainda uma criança – o senhor foi a prova concreta do quanto sofri, com apenas treze anos de idade, no momento em que uma filha mais necessita de sua mãe, de seus conselhos, de seu amparo maternal! Mas ela se foi! “Descansou! Estava sofrendo muito!” Era o que o Senhor nos dizia, para confortar-nos, lembra-se?
 
Pai! Foi naquele mesmo dia, em que mamãe morreu que decidi ir embora da cidade onde nasci. Sabia, de antemão, que iríamos sofrer muito, mas o que me confortava, era saber que o senhor não estaria sozinho. Sentiria a minha falta, sempre, pois um filho não substitui a ausência do outro, eu sei... E sei, igualmente, o quanto sofri, principalmente nos primeiros dias aqui nesta cidade imensa, onde eu quase me perdia e minha única vontade, era voltar! Desistir! Porém, não voltaria! O Senhor me conhece bem (sempre salientou isso). Sou teimosa e, quando coloco algo na cabeça, não há quem tire! Não parti porque era infeliz aí, meu pai.  Eu vim, porque tinha um propósito. Crescer! Estudar, ser alguém, ter um trabalho digno, progredir, enfim!
 
Por sua vontade, eu teria permanecido aí para sempre, me casado com “um bom homem”, como costumava dizer, mas não era o que eu queria... Infelizmente, nós tínhamos sonhos diferentes! Sempre fomos diferentes, não é verdade?
 
Foi pelo senhor, para dar-lhe esta alegria, este orgulho, que, um dia, sem pedir sua bênção, ultrapassando todos os limites da educação que nos deu, sempre, que me mudei,  para outro mundo, que não era o meu... Enfrentei o desconhecido, sem ao menos ter noção do que poderia me acontecer de bom ou ruim. Apenas com a “cara e a coragem”!  Mas tive fé! Forças! Esperança! E essa virtude, pai, aprendi com o senhor! Que é a pessoa mais correta, digna, ética e honesta que já conheci em minha vida!
 
Eu o amo muito, Papai! Fique com Deus e obrigada por ser meu Pai!
Peço-lhe a sua bênção!
 
De sua filha, sempre!
 
Maria Emilia Pereira
 
 
 
>NA: Esta carta foi enviada ao meu pai em Maio/85, quando ele já se encontrava muito doente, com câncer terminal e,  em 01 de Julho desse mesmo ano, ele veio a falecer.