Epístola a Tekla Inashvili

Lhe escrevo das distantes terras brasileiras,

Ó cara amiga – esta terra de palmeiras

Onde canta tão lindamente o sabiá

E o Sol durante esta estação é de rachar.

Que minha epístola viaje alegremente

Em bons ventos sobre o oceano inclemente,

E ao chegar na terra de Sakartvelo,

Este teu país tão acolhedor e belo,

A encontre sem qualquer pesar no coração,

E com boa saúde e disposição.

Como não tenho muita coisa a se fazer,

Já que escolhi como carreira escrever

E portanto de mim foge o deus-dinheiro

Por mais que por ele eu ore o dia inteiro

(Inclusive consenso ao redor do mundo

É que “poeta” é eufemismo de “vagabundo”),

Tirei o dia para refletir – cismando

Por onde a vida até então vem me levando,

E neste país, percebi, não houve um dia

No qual senti qualquer centelha de alegria.

Entre meu próprio povo, qual um exilado

Sempre vivi – cruelmente me hão privado

De alguém a quem pudesse chamar de irmão

E que, com carinho, tomasse minha mão

Oferecendo-me o consolo da amizade

Quando abateu-se sobre mim a adversidade.

Meus cânticos de dor, ninguém os escutou

Por mais que os declamasse – ninguém me amou!

Nunca ouve vivalma que por mim chorasse

Ou que, sentindo minha falta, murmurasse

Uma tímida prece a Deus Nosso Senhor

Pedindo-lhe que me mandasse, com amor,

Um de seus anjos para em tudo proteger-me

E aguardando ansiosamente rever-me.

Mas veja só! Recepção mais calorosa

Encontrei em tua terra tão maravilhosa,

Graças a ti que acolheu-me como amigo.

Desde então carrego-a no coração comigo,

E dedico mais de minha afeição a ti

Que a qualquer brasileiro que já conheci.

Que importa que o mesmo idioma não falemos,

E que em países tão distintos habitemos?

O amor tem sua própria língua universal,

E de quando em vez praticá-la não faz mal

Já que para ele não existe fronteiras

E da distância destrói todas as barreiras.

À noite, quando me abate a solidão,

Gosto de dar asas à imaginação;

Pela janela vejo a Lua cintilando

E sonho que, num barco mágico planando,

Singro a cordilheira do Cáucaso, gloriosa,

E avisto Tiflis, milenar e luminosa –

Imagino os áureos tempos de Tamar,

E nobres guerreiros ainda a lutar;

Rustaveli, com sua imaginação,

Vertendo em versos a glória de sua nação;

Baratashvili e seus amorosos cantares

À Dadiani, enchendo de lirismo os ares;

De Borjomi as águas límpidas, encantadas,

Que parecem saídas dum conto de fadas;

Seja à alegria ou ao combate preparada,

A Kartlis Deda no Sololaki sentada;

E por que não? Sou sincero, não vou negar –

Sendo poeta gosto de me embebedar,

E qualquer lugar onde o vinho é apreciado

De forma automática é de meu agrado.

Minh’alma pela Geórgia anseia todo dia,

E sem titubear por ela morreria

Tal qual Byron outrora morreu por Hélade,

Célebre peregrino da eternidade!

Mas se por acaso fizessem-me escolher

O que de teu país mais vem-me apetecer,

Sem muito pensar a ti eu escolheria,

Pois nada seria tão bom sem tua companhia.

Portanto é com toda a sinceridade

Que ofereço-lhe meus votos de amizade –

E saiba que em ti sempre estarei a pensar

Com carinho, daqui do outro lado do mar.

Até quando eu escrever-lhe novamente,

Desejo-lhe do bom e do melhor somente,

E encerro a presente carta em viva voz,

Dizendo-lhe com alegria – gaumarjos!

(São Carlos, 3 de janeiro de 2020)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 03/01/2020
Reeditado em 03/01/2020
Código do texto: T6833432
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