De novo, você

Querido desamor,

Já está ficando chato, sabe? Não é que eu reclame de ter inspiração, na verdade, nem posso - sabe como é, né? Tá em falta ter essas crises de luz que te fazem escrever e a cabeça dos meus quase 30 anos não funciona mais da mesma forma -, mas, fazer o que? É isso: sonhei contigo, de novo, pra variar. E nem faz tempo desde o último, sendo bem sincera. É que eu quebrei o notebook e fico com preguiça de digitar pelo celular. Sempre me achei muito antiquada pr'esse mundo moderno. Mas, na noite passada foi diferente, sabe? Eu até pensei que era real de tantos detalhes.

A gente se encontrou por acaso.

As vezes até me pergunto se não são as nossas almas que saem do corpo na madrugada e voam pelo globo, desbravam fronteiras e países até se chocarem uma na outra. Mas, não, foi sonho mesmo, só sonho. E não demorou nem dois segundos - tempo na nossa mente passa de um jeito estranho. Talvez tenha demorado mais que isso - pra você me beijar. Aquele beijo molhado onde as línguas se entrelaçam, os corpos esquentam e os pelos arrepiam. A gente pensava nos nossos relacionamentos atuais e ponderava se valia a pena estragar tudo por um simples momento. Você não dizia em voz alta, nem eu... Só que a nossa conexão nunca precisou de palavras, não é mesmo?

Você me olhava nos olhos com essas duas orbes de chocolate meio-amargo que me deixavam louca, bem por debaixo desses cílios de boneca - nada condizentes com a sua barba escura - e me entregava as palavras que esperei ouvir durante todos esses longos, intermináveis, dolorosos quatro anos: me perdoa, eu quero ficar com você. Foi bom escutar, mesmo sendo mentira, uma alucinação estúpida da minha cabeça doente. Só foi gostoso ter a sensação de que você era meu de novo, nessa realidade alternativa, onde ninguém manda em nada.

Entretanto, acordei.

Havia outra pessoa do meu lado, alguém bom, alguém digno, alguém que eu amo. Já não desejei mais ter o seu beijo, nem os seus sentimentos mais dubios. Fiquei contente pelo que o destino me deu, satisfeita com o que tenho e sem arrependimentos. Mas, a lembrança ficou, feito uma cicatriz que dói nos dias de chuva, incomodando todo o dia e me fazendo perder horas da minha folga tentando compreender porque tudo aconteceu como aconteceu.

Você está bem, não está? Eu espero que sim. Ainda te amo nos meus sonhos, só não te quero quando com os olhos abertos percebo o mundo como ele é e quão terrível seria se, todavia, você me amasse de volta.