A ÚLTIMA CHAGA - A última ceia

Percebi que este escritor que eu lia, no qual vou chamar pelo seu último nome, Júnior não aceitava o pedido de amizade de pessoas desconhecidas. Então eu me assegurei de enviar uma mensagem inbox identificando-me. Não me lembro exatamente se foi no mesmo dia, mas ele não demorou muito para aceitar o meu convite.

Conversamos muito pelo messenger naquela época, até que um dia daquele mesmo mês ele me pediu em namoro, eu aceitei e trocamos telefone. Júnior morava com sua mãe e sua irmã, e apesar dos seus pais estarem separados, naquele exato momento estavam se mudando para a casa que seu pai havia alugado, para que pudessem reduzir as despesas. Visto que, moravam em uma região nobre da cidade do Rio de Janeiro. No início conversávamos pouco pelo o telefone, e a impressão que eu tinha era que ele estava buscando por afinidades entre nós. Apesar de achá-lo novo para mim, eu o considerava um homem incrível, entre tantas coisas, também pelo nível de inteligência e sensibilidade dos seus escritos, deixando claramente que eu era uma fã assumida.

Marcamos nosso primeiro encontro, cujo o relato do mesmo, está romanticamente detalhado em minha escrivaninha. Tivemos outros encontros também encantadores e igualmente aqui relatados. Inclusive, conheceu o meu filho que se apaixonou imediatamente pela figura carismática de Júnior. Faço esta afirmativa porque ninguém melhor do que eu para conhecer o meu filho.

No primeiro dia em que se conheceram, estávamos à espera da abertura para as compras de ingressos para visitar o Museu do Amanhã. Sentados em uma sombra e se deliciando com um cachorro-quente, meu filho me surpreendeu. Ou melhor dizendo, nos surpreendeu. Os dois conversavam sobre o prédio que estava à nossa frente, e muito do nada, meu filho perguntou à Júnior se podia chamá-lo de pai. Ele prontamente e sem nenhuma hesitação, respondeu que futuramente sim, poderia chamá-lo.

Os meus olhos marejaram, pois eu jamais imaginei que meu filho fosse dizer ou pedir algo do tipo, visto que ele era muito apegado ao seu falecido pai. Júnior não tinha filhos e já tinha deixado claro para mim que não tinha desejo de ter, e até gostava da ideia de arrumar uma mulher que já tivesse. E como eu também não queria ter mais filhos, tendo em vista, tudo o que já havia passado, experimentado e vivido, pensei realmente ter encontrado o homem da minha vida.

Com Júnior tudo era diferente, ele me arrancava boas gargalhadas com seu humor inteligente, tinha sempre respostas prontas e rápidas para qualquer coisa, e fazia eu me sentir mais mulher como nunca antes havia me sentido em toda a minha vida. Era inteligente, educado, respeitoso, carinhoso, muito trabalhador, mas... No fundo eu sentia algo de estranho nele, que não sabia bem o que era, mas no meu coração, ele era o homem que eu viveria pelo resto de toda a minha vida.

Chegou dezembro e eu que sempre amei o natal, não estava muito animada para enfeitar nada naquele ano. Não estava triste, pelo contrário, estava muito feliz por ter encontrado depois de tantas decepções e lutas, o amor da minha vida. Eu só queria ficar sozinha naquele ano para poder refletir sobre tantas coisas que tinham acontecido em tão pouco tempo. Queria ficar em minha própria companhia e na do meu tão amado e querido filho.

Júnior não queria que ficássemos à sós no natal e até disse que passaria conosco em minha casa. Achei gentil a iniciativa da sua parte, ao mesmo tempo que eu não desejava tirar ele da família dele, justamente em uma época que simboliza a união da mesma. A ideia inicial era que ele me apresentasse à sua família no dia do seu aniversário que seria em janeiro, pois seria segundo ele, um clima bem mais descontraído, visto que, a sua irmã e a sua mãe não tinham um bom relacionamento com o seu pai. Como para mim a data era indiferente eu também concordei.

Por ser seis anos mais novo que eu e não ter filhos, era nítida a preocupação, tanto da minha parte quanto da dele, com a forma que a sua família iria reagir ao nosso relacionamento. Quando ele deu a notícia para a sua mãe, logo de cara, foi indagado porque sempre arrumava namoradas que morassem longe e não dali da região. Até então, estava tudo bem, afinal, uma mãe sempre quer e procura o melhor para os seus filhos.

Sentindo a sua relutância em me deixar só com o meu filho, decidi passar o natal em sua casa, mesmo sabendo as circunstâncias em que estavam convivendo como família. Como uma mulher vivida de 37 anos que eu tinha na época, lógico que pressenti que poderia não ser recebida como a mulher ou a namorada ideal. Enfim, fui na noite do dia 23, dia este que apenas conheci sua irmã e seu pai, pois sua mãe que trabalhava com enfermagem, estava de plantão e voltaria na manhã do dia seguinte.

A sua irmã nos fez sala por um tempo, fez algumas perguntas sobre como nos conhecemos, tecemos alguns comentários sobre filmes e outras coisas, mas nada muito receptivo e caloroso. Em contrapartida, o pai de que se falava menos bem, foi com quem mais eu me senti à vontade e mais solta. Era um homem de poucas palavras, mas senti que ele gostava da ideia de ter mais uma presença feminina ali, e claro, de preferência a namorada do seu filho que não aparecia com uma fazia anos.

Chegou finalmente o dia de conhecer a mãe de Júnior. Era manhã do dia 24, e apesar da casa conter três quartos, eu e meu filho dormimos no sofá-cama da sala. Ela abriu a porta, eu já estava acordada, nos cumprimentamos e sim, foi estranho. Eu sentia uma certa tensão vinda de todos os lados, eles estavam passando por momentos internos tensos, e eu... bem, quem era eu ali? Tomamos café juntos, onde pude perceber a mãe dele se soltando mais e desta forma me deixando também mais à vontade.

No dia 25 ceiamos e não pude deixar de observar que os pratos eram atípicos para a época, pelo menos dos que eu estou acostumada a ceiar nesta data, mas lembro de ter levado uma caixa com chocotone e era a única coisa que fazia referência ao natal naquela mesa. Lembrando que não era porque eles não tinham condições de comprar, mas sim porque eles realmente não estavam no clima para festejar a data. Havia uma árvore de natal montada na sala e eu tinha levado três gorrinhos de papai Noel para que eu, meu filho e Júnior, tirássemos uma foto com eles, junto dela. Mas, não senti clima para tal e então preferi não fazer o pedido sobre a foto, até mesmo por já ter observado nesta época, que Júnior não gostava muito de tirá-las, visto que tinha problemas com sua própria imagem.

Fomos à um passeio na casa de um amigo da época de faculdade de Júnior. Conhecemos ele e sua companheira, por sinal, um casal muito agradável. Assistimos à um filme e meu filho estava um pouco entediado, e eu o entendi, pois o mesmo estava em um apartamento sem espaço para brincar, sem outra criança e assistindo um filme nada infantil. Mas, se comportou bem, apenas ficava perguntando se demoraria muito para irmos embora.

Lembro que depois, Júnior comentou que teria que pedir desculpas ao seu amigo por conta das interpelações feitas pelo meu filho. Achei muito estranho este comentário dele, visto que meu filho em momento algum foi desrespeitoso, bagunceiro, mal criado ou mal educado. A falta de experiência com crianças e o seu não apego com o meu filho era clara, mas pensei que isso se resolveria com o tempo.

Passado o natal, retornei para casa e combinamos que eu voltaria para o Réveillon e que passaríamos o mesmo na praia de Copacabana. Chegado o dia e já estando lá, nos arrumamos para a grande virada, e eu estava realmente muito feliz e empolgada, pois seria a primeira vez que passaria o ano novo naquele lugar. Pela manhã eu e a irmã de Júnior fomos andar à procura de rosas brancas para a sua mãe jogar no mar, pois eram espíritas ou pelo menos se diziam ser. Conversamos durante a caminhada e acolhi aquela família em meu coração, sonhando também em fazer parte da mesma. A família que eu nunca tive... Uma família para mim e para o meu filho. Mais do que isso, um sonho se realizaria.

Ao anoitecer, lembro de sair do quarto, de dizer que estava pronta e não pude deixar de observar que repararam no cumprimento do meu vestido, cuja a costureira, realmente tirou mais do cumprimento que o necessário. Mas eu estava linda e não vulgar e tinha bom senso para avaliar isso. A irmã de Júnior preferiu ficar em casa, então fomos eu, ele, sua mãe e meu filho.

Seguindo para a praia, demos uma parada no trabalho do pai do Júnior que estava de plantão naquela noite. Ele pediu que quando retornássemos que passássemos de volta nele, possivelmente para saber se tínhamos chegado bem. Neste dia algo que eu não esperava aconteceu e que comoveu novamente o meu coração como no mesmo dia em que o meu filho perguntou à Júnior se poderia chamá-lo de pai. Ao nos despedirmos ele apenas disse: "Tchau vô..." Além de surpresa com a atitude do meu filho, é claro que meus olhos encheram-se de lágrimas, as quais pude disfarçar muito bem.

O grande espetáculo da virada aconteceu, tiramos fotos, fiz filmagens, e era tudo novo e muita felicidade na minha vida e no coração do meu filho. Júnior por alguma razão se mantinha tenso, pouco sorria, e mesmo achando estranho, deduzi que seria por conta dos possíveis furtos de celulares e carteiras que sempre ocorrem naquela ocasião. Voltamos radiantes, fizemos uma caminhada em meio a uma multidão de pessoas que atravessava o túnel Rebolsas. Passamos no trabalho do pai de Júnior como o combinado, ele nos forneceu um prato de ceia que havia ganhado e pediu que comêssemos e que também oferecêssemos à irmã de Júnior.

Chegando na casa, eu comi uma parte e deixei a outra como ele havia pedido. No dia seguinte eu já me sentia tão à vontade com o meu sogro que até me ofereci para cozinhar para ele, e fiquei feliz por conta do mesmo não ter recusado. Posteriormente, fiquei sabendo que a irmã de Júnior não aprovou muito, tanto a atitude de eu cozinhar por ser visita, quanto a de seu pai, por considerá-lo abusado. Da minha parte eu estava apenas sendo gentil e tentando agradar, e acredito mais que ela estava sentindo uma mistura de ciúmes de mim com o seu pai e ao mesmo tempo raiva que já sentia pelo mesmo. Raiva e revolta esta, por motivos pessoais e particulares, o qual não se fazem necessários serem comentados aqui, mas que eu já sabia sobre do que se tratava.

No dia primeiro eu, Júnior e meu filho fizemos um passeio na Lagoa, o dia estava muito quente e senti um certo desconforto nele, mas não sabia o que era e tão pouco explicar o porquê. Tiramos fotos, bebemos água de coco e por fim sentamos na grama em uma agradável sombra de frente para a Lagoa e ficamos apreciando a paisagem. Meu filho queria ir em uma pescaria para crianças que havia ali, eu concordei e Júnior o ensinou que o segredo para pegar o peixe, era ter paciência.

Chegado o dia de ir embora, houve um curto no disjuntor de energia da casa que acabou por ficar totalmente sem eletricidade. A mãe de Júnior se estressou pelos os motivos dela, os quais eu na época nem sequer cogitei a possibilidade de julgar sua atitude, a partir do momento que nada foi direcionado à minha pessoa. Muito pelo o contrário, quem melhor do que eu ali, além dela, para entender de homens complicados, criação de filho, trabalhar fora, ser dona de casa e muito mais? Quem era eu pra julgar alguma coisa? Não! Essa nunca teria sido eu e não ia ser naquele momento que passaria a ser. Mas, a própria filha a julgou, repreendendo sua própria mãe por se descontrolar emocionalmente na frente de visita.

Confesso que nunca encarei deste jeito, nunca senti esse sentimento de pureza, e os fatos vindouros, só irão provar que realmente não havia. A preocupação da irmã de Júnior nunca foi a de não incomodar uma visita especial, e sim a de não deixar transparecer a fraqueza e os problemas pessoais da família, para meros estranhos. Resumindo, empatia zero e manter as aparências como status era a real intenção daquela garota.

Passado esse episódio, todos saíram para seus afazeres ficando na casa apenas eu, meu filho e a irmã de Júnior. Este havia pedido que eu o esperasse retornar do trabalho que era próximo dali. Mas, sua irmã insistiu para que fôssemos, com a desculpa para que eu não ficasse sozinha. Aceitei o convite, mas não muito a ideia de ter que ir, visto que não tinha sido o combinado com o seu irmão.

Indo em direção ao trabalho de Júnior, não pude deixar de observar que sua irmã caminhava estranhamente passos na minha frente, sem nem ao menos conversar comigo ou oferecer ajuda com as bolsas. Ao chegarmos no seu trabalho, Júnior ficou sem entender o porquê de estarmos ali. Falei pouco, me despedi de todos e fomos embora eu e meu filho.

Depois por telefone conversamos sobre o assunto e o que tinha se passado. Falei da minha insatisfação com relação ao tratamento sem nenhum motivo aparente, recebido pela a sua irmã. Ele me pediu desculpas, se tinha sido aquilo mesmo que tinha acontecido, mas alegou que da parte dela, ela não tinha feito nada demais. E a partir desse episódio totalmente descabido e desnecessário, foi onde tudo começou a ruir.

Existe um ditado que diz que pra descer todo santo ajuda, e ninguém poderia imaginar que aquela seria a última ceia de natal tanto minha com Júnior, quanto a do pai dele com a sua família...

(Continua...)