A ÚLTIMA CHAGA - A divisão dos sonhos

Quando se menciona a expressão "dividir sonhos", faz-se notória a aparição de escolhas e tomada de decisões. É literalmente escolher qual vai viver e qual deixar morrer. Menos mal por serem sonhos, e me sensibilizo muito com quem precisa escolher pessoas e no geral, seus entes queridos.

Meus sonhos divididos estão aqui relatados como "CASINHA BRANCA" e "QUEM MEXEU NO MEU SONHO?" Mesmo apesar das ressalvas que foram se elucidando em minha mente com relação ao meu relacionamento com Júnior, eu nunca tive a coragem de colocar os dois em uma espécie de "balança", ou seja, uma que pendesse para quem era melhor como pessoa ou para mim. Se havia algo que eu deveria pesar e julgar, eram as minhas atitudes e a mim mesma, com base em todos os fatores, lógico.

Ao viajar para o estado no qual mora, passei a conhecer pessoalmente a família de Rafael, muito acolhedora e receptiva, e em especial a sua mãe. Sua mãe tinha 72 anos na época, sofria de enfisema pulmonar crônico e outras doenças respiratórias. Era uma senhorinha muito magrinha e fraquinha e quando estava na maior parte de suas crises, todos pensavam o pior. Rafael por sua vez, era o caçula, perdeu o pai aos 14 anos e foi criado pela sua mãe como se fosse neto. Frase saída da boca da sua própria irmã Vera. Muito mimado, egocêntrico e impulsivo. Conseguia sempre tudo o que queria, apenas com sua excelente lábia e vitimismo. Um manipulador em potencial para a pouca idade que tinha.

Depois de muito tempo de viagem, fui tratada e acolhida por todos como uma pessoa especial e já da família, como alguém que o universo havia enviado para ajudar aos dois, tanto a mãe como o filho, visto que um não largava o outro. Senti-me de certa forma honrada e escrevi um texto aqui chamado "O IDEAL É RELATIVO", no qual basicamente fala metaforicamente dos tratamentos recebidos pela família de Júnior e de Rafael.

Apesar de ser um jovem formoso, eu não tive uma química nem física e muito menos intelectual com Rafael. Era uma conexão muito diferenciada, tanto com a que tinha com Júnior, como que tive com qualquer outro homem. Apesar de precisar que um homem me protegesse, eu sentia um sentimento de orientar, proteger e acolher a Rafael. Como dito anteriormente, era uma espécie de sentimento estranhamente maternal. Mas, à princípio depois deste primeiro encontro, imaginava que pudesse evoluir para algo mais passional. E tinha tudo para acontecer, se não fosse pelo meu ledo engano em misturar os sonhos.

Já logo de início eu não tive um bom presságio. Ao viajar ficamos dois dias na casa de uma de suas irmãs que morava em outro município e ao finalmente partir para a casa de Rafael, paramos em um mercado já próximo de sua casa. Ele ia comprar cerveja, para acompanhar com a feijoada que tinham feito para quando chegássemos. Sendo que Rafael estava terminantemente proibido de ingerir tal bebida, segundo uma entidade espírita.

Ao sair do carro, fiquei com sua irmã Vera, e minha visão foi ficando turva, senti como se meu rosto estivesse adormecendo, sentia horríveis calafrios e dizia que ia morrer. Rafael retornou e correu para a emergência do hospital que ficava próximo dali. Eu tive um ataque de pânico como nunca antes. Meu corpo não parava de tremer, o coração parecia que ia saltar pela boca e uma terrível sensação de falta de ar.

A equipe médica que me atendeu foi muito eficiente e procuraram me tranquilizar o máximo. Já monitorada e aguardando o segundo resultado do eletrocardiograma, visto que o primeiro havia dado inválido, por minhas tremedeiras, eu lembro de olhar para o teto, e pedir perdão ao meu filho e a Júnior. Pedia à Deus que não permitisse que eu morresse tão longe do meu amado filho. Rafael, dizendo ser meu esposo, vinha me ver, me beijava a testa e dizia que ia ficar tudo bem, mas eu não conseguia sentir meu coração confortado. E essa foi só a primeira de uma das piores noites da minha vida.

Chegamos na casa de Rafael e de sua mãe, e o pessoal que nos aguardava para comer a feijoada, já havia ido embora, visto que cheguei mais de onze da noite, ficando por volta de duas horas só no hospital. De uma certa forma até fiquei com o coração aliviado por já terem ido, tamanho cansaço que estava. E depois de conversar um pouco com a sua mãe, fiz o que eu mais precisava fazer naquele momento, tomar um bom banho quente e apagar.

O dia seguinte e os demais foram muito bons, passeamos, tiramos muitas fotos, conheci tantos lugares lindos... Até andei de moto, coisa esta que só tinha feito uma vez na vida com o esposo de minha irmã. Conhecemos as possíveis escolas que meu filho estudaria, o lugar era muito sossegado e as pessoas muito receptivas também. Visitei tirolesa, pontos turísticos da cidade, vinícolas, casas de amigos de Rafael, cachoeiras, igrejas, fiz pescaria e quase tudo era um sonho.

Quase, porque era um sonho sem Júnior. Em tudo o que eu fazia, ou via, só pensava que era ele quem poderia estar ali comigo. As partes de tirar as fotos eram boas, mas as mais difíceis também, pois eu amava tirar fotos com Júnior e ele já não gostava destas. Rafael era contrário, pois cada passo que eu dava era literalmente um flash. Isso me deixava confundia tanto... Pior ainda, era que eu postava as minhas fotos no facebook e as dos lugares, e Júnior sempre curtindo. Cada curtida dele, era uma flechada no meu coração. E nessa época Rafael não ligava para facebook por dizer ser ultrapassado, e que a moda era o Instagram que naquela época eu ainda não tinha.

À princípio era pra eu ter ficado apenas dez dias, mas pra variar, a inconveniente insistência de Rafael sempre vencia, e acabei ficando quinze dias, me estendendo assim por mais cinco. A esta altura já estava morrendo de saudades do meu filho que ficou com meus padrinhos e pais de criação. Nunca tinha ficado tanto tempo longe do meu filho e nem pouco tão longe também. Voltei super ansiosa para que o meu retorno para casa fosse tranquilo e que tudo ocorresse bem.

Logo após o meu retorno, Rafael insistia veementemente praticamente todos os dias para que eu fosse morar com ele já em agosto daquele ano. Alegava que eu não iria voltar no final do ano e chorava horrores, mesmo eu mantendo contado todos os dias e já tendo dado minha palavra para os seus familiares que iria no final do ano.

Seu comportamento foi ficando cada vez mais intolerável, tornando-se mais controlador como nunca. Quando eu não atendia o telefone que tinha que ser pela câmera e ele não aceitava de outra forma, dizia que eu estava com Júnior ou com outros machos. Me ameaçava dizendo que tinha clonado o meu WhatsApp e que tinha o contato do Júnior, que iria falar para a família dele que eu iludi a ele e a todo mundo... Enfim, fazia um verdadeiro inferno se eu não ficasse grudada com ele no celular, quando chegava do serviço à noite. Fora as vezes que tinha que dormir com a câmera ligada porque ele tinha medo de ficar sozinho, visto que nesta época, sua mãe havia voltado a morar com a Vera, porque ele precisava trabalhar e não tinha quem cuidasse dela.

Rafael perguntava tudo, mas não porque realmente se importava, mas porque tinha a necessidade de não parar de falar. Falava muito e no geral mal das pessoas e familiares. Era tóxico demais. O que entre eu e Júnior faltava no diálogo, com Rafael sobrava em monólogo.

Houve uma noite, em que ele estava sem celular porque vivia quebrando ou perdendo, e a gente estava conversando pelo skype. Apareceu em sua casa um dito amigo com um conhecido. Os caras pediam ajuda à ele para abrir a porta, e ele se negava por dizer que eles estavam eufóricos. Depois disse que um dos caras havia desmaiado em seu quintal e pediu que eu ligasse para a emergência.

Eu do Rio de Janeiro consegui fazer uma chamada para o SAMU de lá e dar o endereço. Depois de três tentativas eu fui atendida, o socorro chegou na residência dele em uns quinze minutos mais ou menos, porém, tarde para o rapaz. O mesmo morreu a caminho do hospital por conta de overdose de drogas e só não ficou pior para Rafael porque o rapaz não havia morrido em seu quintal, mas já estava desacordado no mesmo. Nunca esqueci aquela noite macabra... Outro mau presságio.

Rafael nunca contou o ocorrido para ninguém da família dele, ele tinha esse péssimo hábito de esconder, dizer meias verdades ou mentir sobre tudo o que poderia vir a complicá-lo mais... Com um tempo a mãe de Rafael voltou para morar com ele e uma sobrinha dele tomava conta da mesma para que Rafael pudesse trabalhar. E foi neste episódio em específico, que assim como a irmã de Júnior foi o fator determinante para eu não comparecer ao enterro do pai dele, também a mãe de Rafael foi para a minha decisão definitiva que dividiria os meus sonhos. Mas, antes teve que haver uma promessa entre nós duas. Um verdadeiro presente de grego...

(Continua...)