A ÚLTIMA CHAGA - A quebra da promessa

Aprendi que há uma linha tênue que separa uma pessoa sonsa de uma pessoa falsa. Seriam iguais se não fosse por uma característica peculiar e quase imperceptível dos sonsos que os distingue dos falsos. O sonso é um falso menos agressivo, ele é mais sutil, é como uma cobra rastejante e silenciosa, que sabe exatamente a hora certa de lançar o seu veneno. O falso é como um jacaré, que submerso em águas tranquilas, mas que para te abocanhar precisa fazer um barulho imenso, um alarde que todos ficam sabendo como e de quem a pessoa foi presa.

Normalmente as pessoas falsas não conseguem esconder por muito tempo sua energia, pois breve ficamos sabendo por outras pessoas que uma pessoa falsa anda falando mal pelas nossas costas, ou espalhando segredos que lhe confidenciamos. Hoje em dia só se engana com uma pessoa falsa praticamente quem não quer enxergar, pois não costumam serem pessoas como dito anteriormente, que conseguem esconder essa energia por muito tempo. E justamente por serem enérgicas, principalmente com suas falácias, não deixam a língua guardada dentro de suas bocas por muito tempo, e os dentes muito menos.

Não estou afirmando aqui que não uma pessoa falsa não é sonsa e vice versa, estou apenas apontando e esclarecendo as características da forma como agem, que é o fator determinante para a atribuição do rótulo predominante de um em relação ao outro. Hoje é prático e inteligente pensar que se uma pessoa fala de outra para você, é quase cem por cento assertivo dizer que ela também pode falar de você para outra pessoa. O sonso não fala mal de uma forma escancarada, aberta e direta. É de uma forma sutil, é ardilosa, é em conta gotas.

O falso não fala mal na frente, mas por trás, o sonso finge gostar de você e até fala bem, mas com ressalvas. Essas ressalvas vão se amontoando, até que um dia o veneno toma conta de todo o corpo e quando menos se espera, a pessoa tomba e nem percebeu a picada. O sonso geralmente sai ileso, afinal, a reputação fica intacta, pois nunca falou totalmente mal ou agrediu, apenas foi injetando pequenas doses de defeitos nos ouvidos alheios. E quem acaba não prestando na história? O cachorro morto que ainda fica lá sendo chutado porque morreu no meio do caminho de alguém.

Um exemplo prático para esclarecer melhor. Uma pessoa ajuda a outra pagando uma determinada conta. O falso paga a conta, mas vai falar mal de quem ajuda. O sonso ajuda, mas vai falar que é tadinho, que só quer ajudar, eis aqui a ressalva mencionada anteriormente. É na falsa caridade que o sonso cresce, mostrando o quão é bondoso na pequenez do outro. Quando na verdade o sonso nem deveria divulgar que ajuda ou ajudou, deveria ajudar e pronto. Mas, esse é o sonso...

E infelizmente foi da forma mais dolorosa que adquiri tal conhecimento e aprendizado por experiências empíricas em que a minha ficha foi caindo. Ou seja, a partir das sequências de observações bizarras no relacionamento de Rafael com a sua mãe. E sobre a maneira como se relacionavam é puro eufemismo dizer que respingava em mim e no filho.

Como mencionado anteriormente, desgostei da ideia de continuar pagando por um carro que eu não usava, apesar de precisar, mas de uma forma dependente. Com o tombo que Rafael havia levado com a moto, esta havia ficado muito sucateada, onde ele a vendeu por apenas trezentos reais. E foi desta forma que nós ficamos dependentes apenas do carro para tudo e inclusive, Rafael para ir trabalhar. Liguei para Vera, expliquei a situação em que me encontrava, que Rafael ainda continuava bebendo e dirigindo. Foi onde ela, dizendo conhecer o seu irmão, sugeriu que eu ameaçasse ir para um aluguel, para que Rafael mudasse de atitudes.

Observei que sua mãe pouco falava comigo, mas quando seu filho chegava do trabalho, a mesma, imediatamente se levantava de onde estava e sentava na varanda ao lado de fora para ouvi-lo falar mal de todo mundo. Ela quando não dava apoio às críticas, se calava. Existe um ditado que diz que a fruta não cai muito longe da árvore, e desta forma, tanto mãe como filho, tratavam as pessoas com sorrisos amarelos pela frente e por trás metiam o malho. Ninguém escapava das suas línguas peçonhentas daqueles dois, nem os outros filhos, nem as noras, nem os sobrinhos e nem mesmo os netos dela.

Percebendo essa codependência doentia e relação tóxica de ambos, eu resolvi colocar em prática a sugestão da irmã de Rafael. E isso aconteceu porque Rafael gostava de pegar no pé do meu filho, chamando a atenção dele por besteiras, como se ele o sustentasse e como se fosse algum exemplo de virtude a ser seguido por alguém. Lembro bem dele estar deitado na sala jogando inclusive, no Xbox do meu filho.

Eu lembro dele ter virado para a sua mãe que estava sentada em uma cadeira ao seu lado e de ter pedido um reforço por parte da opinião dela. Perguntei de forma irônica se ela não queria também aproveitar e dar de "mamá" do seu peito para o seu neném marmanjo de trinta e três anos de idade. Ela revidou, me respondeu à altura, disse que meu filho ia crescer e sugeriu que eu saberia o que é ter amor de mãe. Fiquei brava com a comparação, visto o tanto que lutei e sofri para dar uma educação, criação e valores para o meu filho. E com a forma que ela veio a insinuar que eu passaria a mão na cabeça dele caso ele crescesse mau caráter e irresponsável como o filho dela havia se mostrado até aquele momento. Inclusive, mencionei que eu não precisava chamar meu filho quatro vezes para se levantar para ir para escola, como ela fazia para o dela ter que ir trabalhar.

Eu simplesmente não queria acreditar que estava discutindo com uma senhora de 73 anos, tanto pelo o fato de que fui criada sob valores de respeitar os mais velhos e pior, discutindo sobre a criação do meu filho com pessoas que nunca me ajudaram em nada e tão pouco tinham se quer algum grau de parentesco com ele. Aí o cenário mudou completamente da discussão entre uma pessoa jovem com uma bem mais idosa, para o de uma mãe chipanzé que gostava de ficar tirando piolhos da cabeça do seu filhote adulto, com o de outra mãe que virava uma verdadeira leoa que sabia abocanhar muito bem quem mexesse com o seu filhote pequeno.

Em uma discussão acalorada, comecei a juntar meus pertences que mal havia desencaixotado e fora os que ainda estavam nas caixas. Ele chorava feito uma criança dizendo que me amava que eu não fizesse aquilo e então pedi para que ele perguntasse à mãe dele se ela queria que eu ficasse. Lembro da cena dela sentada com aquelas pernas em pele e osso cruzadas, jogando no computador. A resposta não foi diferente de como eu pensava, porém ia contra tudo o que ela havia me prometido, ou seja, que eu poderia confiar nela e que ela jamais deixaria o seu filho me destratar. Não só ele me destratava, como ela não o repreendia e se fazia omissa em minha defesa.

Com sua voz firme apenas respondeu: "Que seja o que Deus quiser." Essa frase naquele mesmo momento eclodiu na minha mente com o dia em que chorando, ela pediu para que eu não desmanchasse com o seu filho e que por pedido dela, eu desse mais uma chance para ele. Obviamente que eu me enchi de cólera, e não pude conter minhas emoções e nem palavras, afinal de contas, estava completando apenas um mês que eu havia me mudado e com uma criança ainda por cima. A rebati dizendo que era muito fácil para ela falar aquilo naquele momento tão propício para ela que estava dentro da sua casa. Que não havia sido ela quem tinha mudado de estado com um filho pequeno e que não havia gastado um centavo com nada, confiando inclusive, nas palavras dela.

Após terminarmos de discutir, lembro dele conversar baixinho com ela e ainda assim eu podia ouvir ele dizendo que não podia deixar eu ir morar sozinha com uma criança pequena em um lugar que eu praticamente não conhecia. Apesar de irresponsável, neste momento ele estava sendo mais coerente do que ela, e como a última palavra daquela casa sempre era a dele, me pediu desculpas e pediu que eu não fosse embora. Nem preciso dizer que depois desse episódio, e da máscara da mãe de Rafael retirada, que eu nunca mais fui a mesma com ela. Continuei a respeitando por conta dos meus valores e educação, mas o meu afeto e a minha confiança ela nunca mais teve.

A sequência de episódios trágicos, acontecimentos bizarros e suas consequências catastróficas eram tão recorrentes e surreais, que a cada dia eu sentia que a ladeira ia mais abaixo. Ainda assim de um jeito ou de outro eu seguia tentando achar algum sentido ou propósito para tamanhas desgraças "gratuitas" a meus olhos nus.

Tentando seguir e prosseguir com o plano original, uma certa noite resolvi começar a colocar em prática um dos projetos e acordos que eu e Rafael havíamos feito para quando eu me mudasse para lá. Começaríamos buscar metas de ter uma vida saudável com caminhadas, e exercícios físicos, planejamos inclusive, de no futuro frequentarmos uma academia e Rafael iria lutar contra o vício da bebida e do cigarro. E foi em um dia que tentando colocar em prática essas metas, que eu não imaginava que estava caminhando direto para o inferno pela segunda vez...

(Continua...)