A ÚLTIMA CHAGA - Segundo inferno
Devemos procurar nos unir com quem de fato se importa com o que nos importamos, criar vínculos com pessoas que tenham projetos afins aos nossos. Ter sonhos, metas e projetos que quando não iguais, que sejam ao menos no mínimo parecidos. No campo dos relacionamentos amorosos também é preciso ter a parceria conjunta como uma equipe de trabalho que se esforça para conquistar metas. Como um time de jogadores de um esporte qualquer, cujo o único motivo para tanto empenho e esforço é obter o triunfo da vitória. Se faz necessário em um casal muito mais que atração física, do que química e do que sonhos não projetados. É necessário ter ambição para aqueles que pensam e de fato desejam ir além de uma rotina corriqueira e de um cotidiano entediante.
Depois de tanto ajudar aos outros ou pelo menos tentar, ao chegar no fim da minha última chaga que ainda será aqui finalizada eu me questionei: Quem dos meus relacionamentos anteriores perguntou qual era o meu sonho? Qual deles um dia me perguntou o que me fazia feliz ou qual era o meu propósito de vida? Lamentavelmente, mas ainda na esperança de não ser tarde, eu encontrei apenas o vazio como resposta às estas questões. Promessas vazias feitas por pessoas repletas de um monte de nada. Pessoas estas que atraem o desespero de outras pessoas carentes como tal eu era e de como tal eu vivia a vibrar.
Na verdade eu fazia aos outros o que eu gostaria que tivessem feito por mim. Eu ajudava na esperança de se tornarem melhores, de se levantarem para caminharem fortes ao meu lado. Aqui se torna um caminho muito fácil para as desilusões, porém levei este tempo todo para descobrir que o lado bom que eu via nas pessoas, na verdade não era delas, e sim o meu. Tudo de bom que eu projetava nas pessoas que me decepcionaram, era um mero reflexo de mim mesma. Ter aprendido a ver por esse ângulo apenas me ajudou a me culpar menos, a diminuir o meu fardo, pois além de ser a sugada no final de cada história eu ainda me sentia culpada. Espiritualmente falando aprendi que não há vítimas e nem culpados quando a questão é cármica, mas há sempre a opção de revidar com o bem ou com o mal.
Era o início de mais uma linda noite e finalzinho do mês de janeiro, quando tentando me empolgar, fomos caminhar na associação de moradores do bairro. Era um lugar maravilhoso, bem espaçoso, tinha dois campos de futebol, uma quadra de vôlei de areia, uma academia, um bar espaçoso que oferecia diversos lanches e petiscos, sinuca e outros jogos para distração e muito ar puro junto à natureza que era a parte que eu mais gostava. Enquanto eu caminhava, meu filho brincava na areia com os coleguinhas que havia feito. E Rafael... Bem, Rafael com a desculpa de estar com dor nos pés por conta da gota, apenas deu uma volta no campo comigo e disse que ia ficar no bar olhando a mim e a meu filho. E como não poderia ser diferente, enquanto eu caminhava, ele bebia.
Lembro de ter caminhado 5 Km, pois cronometrei pelo meu celular, e já tendo ficado escuro, chamei os dois para irmos para casa. No meio do caminho começamos a discutir pelo fato dele ter gastado dinheiro de forma desnecessária, comprando três sanduíches, visto que além de caros, havia janta pronta em casa. Além do que eu e ele deveríamos iniciar uma dieta e se ele não quisesse, que ao menos respeitasse o meu direito de não querer comer besteiras. Mas, como já era de praxe, respeito e limites, eram duas palavras que não estavam incluídas no caráter de Rafael.
Ao chegar em casa, meio bêbado ele ainda insistia para que eu comesse o meu sanduíche alegando que comprou com o maior carinho e que eu estava me desfazendo dele. Como ele começou a envolver a mãe dele no meio, fato este que eu já havia pedido para que ele não fizesse mais, então eu pedi que enfiasse o sanduíche naquele lugar onde o sol não bate, pois eu não ia ingerir as calorias que havia acabado de perder. Visto que pra beber e encher a minha paciência ele não sentia dor, mas para querer mudar de hábito e vida sim. Dito isto fui tomar banho, meu filho comeu o sanduíche dele, e fui me deitar com o meu filho para ele dormir como era do nosso costume fazer. Inclusive, hábito esse que Rafael detestava, pois sentia ciúmes até de quando eu dava atenção para o meu próprio filho.
Conforme ele ficava entrando no quarto fazendo as perguntas de bêbado de sempre e impedindo o meu filho de pegar no sono, eu resolvi trancar a porta. Infeliz decisão... Infeliz noite que ainda me custam as minhas atuais noites de sono, mesmo já tendo passado dois anos. Conforme ele ia alterando o tom da voz e batendo mais forte na porta do quarto para que eu a abrisse, tive a ideia de ligar o gravador de voz do celular e assim poder deixar registrado qualquer ato imprudente que pudesse ocorrer a partir daquele momento.
Apesar da situação ser caótica, eu procurava manter a calma e mandava que fosse dormir, visto que já havia de certa forma aprendido a lidar com ele naquela situação, porém, à distância. E a ideia de gravar no celular, possivelmente partiu da inciativa que tive, quando tive que ligar para o tio do pai do meu filho para pedir para me deixar voltar para "minha" antiga casa, caso ele me ameaçasse. Não! A gente nunca se acostuma com esse tipo de gente e nem de situação, mas sim, aprendemos a lidar com ela, pois depois fica tudo apenas o dito pelo o não dito. A ideia deu certo, porém o fato de ter que escutar tudo por outras vezes, já não era nem um pouco agradável.
Indignado e comentando que não havia feito nada para a sua mãe, que por sinal se mantinha calada o tempo inteiro, Rafael se dirigiu até o disjuntor de energia e desligou apenas a energia do quarto em que estávamos, nos deixando no escuro e no calor. Como meu filho começou a chorar, e a dizer que não queria morrer e pedindo que ele parasse com aquilo, Rafael religou a energia, mas ficava barganhando com o meu filho para que abrisse a porta. Como meu filho se negou a abrir e pedindo que nos deixasse quietos porque ele só queria dormir, Rafael dizia "beleza, beleza", mas que meu filho não pedisse mais para dormir conosco no nosso quarto com ar condicionado.
Continuava um falador, que era como ficava quando bebia. Alegou que não iria arrombar a porta porque a mesma lhe custou caro. Então, sentou-se no chão do lado de fora e disse que não ia dormir e nem sair dali até que eu abrisse a porta. Cansando e fazendo algumas ameaças, chamou a sua super mãe para ir deitar com ele no nosso quarto e ela sem hesitar como um cãozinho na coleira, foi na mesma hora.
Ao perceber que ele havia fechado a porta e tinha ficado em silêncio, liguei imediatamente para a Lena, cunhada dele, esposa do seu irmão mais velho que moravam ali perto. Enviei o áudio do que havia ocorrido e eles imediatamente foram até nós. Enquanto não chegavam eu me agilizei e juntei uma bolsa com roupas e alguns pertences que julgava poder precisar. Chegando, acordaram Rafael e sua mãe, e enquanto o mesmo se explicava e se fazia de vítima, meu filho saía pela janela do quarto com a Lena.
Eu fiz questão de passar por eles, e quando passei para ir embora para a casa deles, a mãe de Rafael que até aquele momento não havia dado um espirro, abriu bem aquela boca e disse a frase que não esqueço: “O piá é de boa, o piá é de boa! Ela é quem arruma confusão!” Não muito surpresa com o que ouvi eu retruquei: “Não vim até aqui para terminar de criar o seu filho, fique a senhora com o seu delinquente de estimação. E se acaso a senhora passar mal e ter de ir para a emergência do hospital, lembre-se que é graças ao carro que eu comprei que a senhora será socorrida.” Palavras estas, ditas não com orgulho, muito pelo o contrário, mas para demonstrar a minha indignação com tamanha ingratidão vinda da parte dela.
Finalmente eu e meu filho podemos dormir “tranquilos” naquela noite. Na manhã do dia seguinte eu estava determinada a ir na delegacia para prestar queixa, pois se o fato de eu não querer ingerir um sanduíche desencadeou aquele inferno todo, imaginei o dia em que eu recusasse algo de maior importância na concepção de Rafael, o que realmente de mais grave poderia vir acontecer.
E assim fiz, mesmo sem saber aonde ficava nada, chamei um uber que me conduziu até a delegacia e lá eu pude prestar a queixa. A estagiária disse que o conhecia e que ele já havia sido detido quando era usuário de entorpecentes, e que só aqueles áudios já eram provas o suficiente para ele ser intimado. E assim se sucedeu, apenas cinco dias antes do nono aniversário do meu filho, pisava eu novamente em uma delegacia para abrir um boletim de ocorrência sobre ameaça. E como a música do Renato Russo não poderia ficar incompleta, chegando em casa então eu chorei e pro inferno eu fui pela segunda vez...
(Continua...)