Carta aberta ao vazio

Dia após dias e vejo com mais frequência as remanescentes memórias personificadas batendo na porta e esperando um convite para seus atos vis.

Querido infinito ∞, no fim você é apenas uma criança que quer atenção. E suas ações infantis para comigo nada mais é a prova disto.

Querido romântico vazio, tenho tido sonhos dos quais me remetem ao acordar, sensação mistas de agradado e desespero. As pessoas de meu passado, cujo tiverem participações ambíguas em minha vida nada mais estão fazendo do que investir meus sonhos e me causar estranheza, medo e desconforto. Quero que pare.

Querido límbico vazio, você me assusta. Me dar calafrios constantes. Me dar o desprazer de ter que ligar com meus demônios mais algozes. Me dar o desgosto de olhar para meus fantasmas mais terríveis e os mais irônicos e ficar por isso mesmo. E cabe a mim e apenas a mim, entrar nessa luta diariamente, arduamente, de fogo ferro e brasa para conseguir respirar, sorrir e viver honestamente no final, morrer honestamente.

Querido sociável vazio, você me libertou. Me fez ser mais seletivo. Com você, aprendi a ser observador e ler o ser humano tendo como fato que o rosto de cada um é um livro aberto para interpretação emotivas e cognitivas. Você ensinou-me a usar a ironia e o sarcasmo como arma para denegrir a defesa do agressor e ter vantagens. Me ensinou a beber enlouquecidamente, a fumar deliberadamente, a usar drogas por diversão mais nunca abusar das micro doses de cada uma delas. Me ensinou a ter senso do comum, mas não do ridículo.

Querido estranho vazio, quando foi que você se formou em docência? Deveras tal pergunta ecoa na mente; não só na minha, mas tenho fé que em de outras e outros. Na fome me ensinou a poupar pra dar de comer ao meu filho e esposa. No frio me ensinou a dividir ou até mesmo abdicar do calor gostoso do cobetor para aquecer filho e cônjuge. Me ensinou a doar, mas sem esperar receber mais. O erro foi meu, as vezes. Doei-me deveras em abundância, hierarquicamente até os dias atuais fui sua marionete. Hoje, não mais.

Sinto falta dos seus ensinamentos, suas obras, citações, frases, pinturas, esculturas, melodias, das chuvas, do sangue, do terror e horror, do sorvete, da escada, da ladeira, da praia a noite, do bis, da música, da neve, das rosas, das tochas, da quebra do ciclo de risadas entre amigos. Sinto falta de odiar você.

Querido, maldito vazio... Depois de tanto querer fazer você desaparecer, hoje sou eu, que procuro você.