Das pequenezas de caber na palma da mão

Eu recebi sua última carta, li tudo umas três vezes. Quando terminei já não me cabia mais nada. Você trapaceia, sabia? Você é maravilhosa. Não dá pra me escrever assim, é jogo baixo.

Até imagino seu rosto ficando vermelho de rir, você cerrando os olhos e soluçando bem grande. Bem muito.

Eu te amo tanto, sabia?

Vou deixar uma coisa junto dessa carta. Só você vai saber. É sério. Não deixe ninguém ver, nem saber. Coloque dentro do seu porta-treco, abra as vezes pra ficar olhando, pra lembrar de mim. Eu te daria muito mais, mas sei que você gosta de coisinhas assim, gosta das pequenezas de caber na palma da mão, no fundo do bolso.

Não tem nenhum motivo específico pra essa, pra escrever essa carta. O dia não foi quente demais, não ouvi uma piada engraçada, não tropecei e caí, ou sofri no trabalho. Nadinha. Mas lembrei de você. Lembrei mesmo. E aí isso já mais do que basta.

O lembrar quando fica só preso na garganta, ele morre rápido, rápido. Não queria assim. Minha vontade era só te escrever, pra ver se a palavra vira ponte pra nossa distância. E cada vez que termino uma frase, é querendo não acabar, é querendo chegar na outra. Escapar.

O Augusto leu aquele conto da outra vez, disse que era bonito, bem feitinho, só que tinha muita choradeira. Tinha muita choradeira? Você deve estar sorrindo agora e fazendo que sim, não é?

Ah, eu lembrei de você sabe como? Lembrei da gente. Fui num karaokê esse fim de semana, com o povo do trabalho. Daí me levanta uma mulher, linda, linda (é agora que você faz cara de brava, e faz biquinho). Pois. A moça cantou logo o que?

Cantou Bethânia.

Não como você, claro. Não do seu jeito, não fazendo graça quando chegava aquela parte

"É meio dia, é meia noite

É toda hora

Lambe olhos, torce cabelos

Feiticeira, vamo-nos embora"

Você cantava rindo. Dizia que era meio nojento lamber olho. Que sabia lá quantas bactérias ia ter nessa coisa de olho- língua. E aí vinha na contradição, quem nem felina, querendo lamber o meu. Cê lembra disso?

Eu vou parar por aqui se não vou começar a escrever safadeza. Mas queria mesmo era saber como você tá. Me conta, me conta depois como foi seu dia. Vou ter que ir agora.

Abraço.

Do amigo que te ama.