A carta se escreve na espera

Eu ainda estou por aqui. E você ainda está por aí. De algum jeito, de algum jeito eu sinto que nascemos nas circunstâncias erradas, sabia? Eu e você. Talvez se tivéssemos nos conhecidos uns anos para trás ou pra frente...a coisa fosse outra.

Não. Não. Soberba minha. Achar que...

Deixa pra lá.

Eu tiraria todo o peso do mundo se pudesse, empurraria a pedra de sisifo por você, enfrentaria as montanhas e subidas mais escarpadas, mais a mercê dos ventos. E aí então, o sorrir de alegria, como falou Clarice, ia ser nosso.

Essa dorzinha no peito não morre de um dia pro outro, viu? E eu não tô dizendo isso pra crescer a culpa em você. É só pra você saber mesmo. Só pra saber. Pra que depois, quando passar um dia após o outro, quando o fio prender o dia no buraco da miçanga, um a um, e se formar o rosário dos anos, você não me esquecer.

É fácil esquecer o que não é lembrança constante. A gente só não esquece mesmo é de comer, de acordar, essas coisas. Depende também. Tem gente até que esquece. Tem gente que morre dormindo.

Tô com muita saudade de você. Muita mesmo. Mas só posso pensar nisso pela metade, se eu penso por inteiro nem sei mais. Meu rosto tá até ardendo enquanto escrevo agora.

Eu não sei se você recebe mesmo, não sei. Não sei se isso aqui se perde numa pilha de papel, se extravia, mas eu escrevo. Acho que faz bem pra mim. É como se eu tornasse real, algo que, até então, era só meu.

Meu e seu, né?

Tem uma coisa mística nisso da carta, não tem? Eu acho que ela se escreve mesmo é no espaço entre uma e outra, na espera. Quando a carta chega, quando a carta é lida, é a mera concretização, recomeçamento.

Um dia o destino encontra a gente de novo. Um dia. Por enquanto eu não sei mesmo o que fazer. Não sei pra onde mando esse querer todo. Eu escrevo.

Tá bom, eu nunca vi discurso, nem carta, findar guerra nenhuma, mas apazigua um pouco a que me explode. Espero que entenda, é o único jeito, é o jeito que eu consigo.

Você anda ensinando bem Iracema?

Iracema.

Esse nome é lindo. Tem um camarada meu... vez ou outra, quando a gente tá por lá, bebendo, eu mostro a foto de vocês, mostro a foto e fico gritando: IRACEMA! IRACEMA! Ele já deve não aguentar mais. E aí eu choro um pouco, mas depois eu rio, rio pra caramba.

Ensine ela a ler, ensine ela a escrever, ah, e ensine a sua generosidade.

E se for pra eu pedir uma coisinha, uma coisinha pra ensinar de mim pra ela, é o meu amor por você. Que ela te carregue no bolso, e aí vai ser a pessoa mais feliz do mundo. Assim como eu sou.

Beijo,

já vou indo

Do amigo que te ama.