Carta para o meu pai

Ele me ensinou a fazer arroz, a desenhar e maratonou Chaves comigo. Nunca encostou um dedo em mim pra me educar e sempre foi mais carinhoso e presente que minha mãe (especialmente na minha adolescência). Me levava na escola, me viciou em cafuné e zuava minhas professoras quando ia nas reuniões. Era um homem simples, sem ganância, reservado e ao mesmo tempo adorava quando puxavam assunto com ele.

Era santista e sua cachorrinha Belinha era sua parceira fiel.

Ele não era um homem perfeito, não. Tinha momentos de raiva, já deu muito trabalho pra minha mãe e tinha vícios. Fez escolhas ruins quando eu era bem pequena e nos últimos 20 anos viveu apenas em função de não nos preocupar tanto. Era teimoso e não ouvia nossas orientações. E em algum momento da vida ele apenas ligou o piloto automático e foi se descuidando dia pós dia.

Ele não era um pai exemplo, mas era o pai que eu precisava. O pai ideal pra mim, aquele que deu o que mais importa pra uma filha, sua presença. E para retribuir, eu dei minha ausência, me distanciei e criei o hábito de não me importar tanto. Claro, eu acreditava ter meus motivos e mesmo que reconhecesse minha falha como filha, deixava para mudar sempre em algum outro momento, momento esse que chegou tarde demais.

30/01/2019: Sai do trabalho após uma manhã de abraços, presentes e homenagens. Peguei 2 bombons que ganhei, sai mais cedo e fui visitá-lo. No caminho já ensaiava a bronca que daria, sobre os cigarros, sobre não se cuidar. E então daria um bombom e pediria de presente sua recuperação e seu retorno pra casa. Ao chegar e entrar na Emergência, me deparei com a imagem mais chocante da minha vida. Ele estava amarrado na maca, de fralda, com uma respiração super prejudicada e inconsciente. Desabei. Segundo as enfermeiras ele estava agitado e por isso tomou calmante e foi amarrado.

Não consegui falar com ele, minha voz não saia, eu só chorava e pedia pra ele voltar pq estávamos com saudade e a Belinha estava esperando ele.

E foi nesse dia, aos 27 anos que me dei conta do pai incrível que eu tinha, e tive o maior medo de toda minha vida, de perdê-lo.

03/02/2019 Ele partiu.

Hoje, tudo que tenho pra dizer é: não deixe pra depois. Seja a mudança, o abraço, o beijo, o bom dia, ou o eu te amo. Não deixe pra perdoar depois, pra rever suas atitudes outro dia, ou para dar atenção amanhã. E não falo por mim, mas pelo meu pai que poderia ter partido sabendo o quanto eu o amava enquanto estava aqui.

Ele partiu e deixou uma grande lição pra mim, ele partiu e mesmo que parte de mim tenha ido embora com ele, eu fui privilegiada em ter sido sua filha, por ter sido tão amada por ele.

Sérgio, Dougo, pai. Você faz falta, obrigada por tudo. Meu amor por você é eterno. Um dia estaremos juntos novamente.

Com amor, sua filha.

Lu Sousa Pe
Enviado por Lu Sousa Pe em 12/01/2024
Reeditado em 12/01/2024
Código do texto: T7974758
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