Carta 030124 – Loucura na ultrassonografia prostática

Querida Eme.

É manhã e estou no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital para fazer extração de sengue para o exame PSA. Ao ser atendido a profissional me deixou um enorme hematoma na veia do braço direito. Ainda sofremos essas imperícias de pseudos-profissionais, o que nos leva a crer faltar revisão ou modificação de política ou método de trabalho em área tão sensível quão é o sistema de saúde pública. Posteriormente me dirigi ao Setor de Ultrassonografia Prostática. Para os dois embates cheguei ao laboratório por volta das 07:45h. Como de praxe trouxe comigo um livro e desta feita veio ao meu socorro um da Coleção Pensamento & Vida, volume 7, onde se retrata o trabalho literário do eminente filósofo da Renascença, Erasmo de Rotterdam, cuja obra o pensador de Rotterdam deu o simpático título De Civilitate Morum Puerilium (a civilidade dos costumes pueris), já que pelo renomado valor do autor, tal expressão nada evoca de sofisticação intelectual por ele exercida. Aqui sentado, Erasmo será o protagonista nesta minha aventura de espera e surpresa às portas do Hospital Municipal da cidade neste dia.

De onde estou, vejo grande parte do que é a frente do Hospital. O viaduto não servível, e que com relativa utilidade vez em quando passa um veículo; as árvores das ruínas do casarão dos Breves entregue ao seu grotesco e obscuro futuro; as matas a circundarem as duas margens do utilíssimo Paraíba do Sul, uma nesga do Setor de Indústria ali está atrelada, e há um grande entrave na minha frente a obstaculizar a minha visão, é o Circo Lonado da Covid 19, agora transformado em Pronto-socorro, pois o prédio dessa enfermaria está em afobada reforma.

A médica assistente a examinar o resultado deste ultrassom é a Drª. Millena, do posto de saúde dos bairros Cruzeiro I e II. Ao citá-la nesta correspondência é porque há no rodapé do resultado ultrassonográfico, a seguinte observação da Drª. Thaíse Lopes dos Santos, profissional da ultrassonografia: “por se tratar de exame complementar, este deverá ser interpretado pelo médico assistente. Os achados ultrassonográficos não excluem a necessidade de complementação propedêutica. 99% dos adenocarcinomas prostáticos ocorrem na zona periférica, esta topografia tem visualização acessível na ecografia via abdominal, sugerimos complementar com PSA”.

Mas mesmo antes de ir ao encontro dos apetrechos da ultrassonografia, veio até mim um rapaz e começou a entabular conversação sobre o atendimento no Hospital. Ele fora internado ali no pronto-socorro lonado com problemas na tiroide, ocorre que a especialista responsável pelo tratamento dele se recusou a tratar o assunto como sendo falha daquela glândula, pois ele insiste que não estava se sentindo compensado com a medicação ora lhe fornecida. Não satisfeito com a balangação de beiço infrutífera, orquestrada entre ele e a profissional de saúde, e assim que se viu sem vigilância hospitalar, cuidou de arrancar a agulha de seu braço com o tubo medicamentoso e fugiu sorrateiramente do ambiente. Depois me contou sobre a mãe dele, também internada naquele circo dos horrores tão caraterísticos aos sofrimentos de Prometeu com sua maldita e impiedosa águia. A mulher é diabética e la esteve por conta de uma crise. Não se sabe por que cargas dágua, um médico plantonista deu alta a ela sem lhe prescrever qualquer medicamento preventivo. Dias depois ela retornou àquele tenebroso circo, porém, a utente reclamava de um dos dedos de um dos pés, quando o médico tocou naquele apontado por ela, um pedaço dele saiu em sua mão. A amputação total do dedo foi o caminho para suavizar a dor intermitente daquela infeliz usuária do SUS. Em seguida e repentinamente eu e o tal rapaz presenciamos um grotesco episódio encenado pelos assistentes de uma ambulância ali estacionada. O veículo estava com a parte traseira aberta, com evidente sinal de que algum paciente em cama provida de rodízios iria adentrar ao compartimento. De fato, surgiram então a maca com um doente imobilizado nela e dois servidores a conduzir tal utensílio hospitalar. Ia um na frente segurando o cilindro de oxigênio atrelado por tubo ao utente, e o outro a conduzir a maca na rampa rumo a abertura traseira da ambulância (tipo os risíveis Oliver Hardy e Stan Laurel em o gordo e o magro), entretanto, o desgraçado com o cilindro de oxigênio o deixa cair, e com a mesma naturalidade de arrancar um pedaço de papel higiênico para limpar o fiofó, ele se debruçou e pegou o artefato do chão. O que nós dois podíamos fazer naquela hora; nada, apenas observar tamanho agravo. Stamos sob cuidados médicos, vai que ao leito ou mesmo sentado ante o sujeito a lhe atender em consulta; eis que surge um imprevisto...

Volto a dizer, ainda sofremos essas imperícias de pseudos-profissionais, o que nos leva a crer faltar revisão ou modificação de política ou aprimorar o método de trabalho dos profissionais em área tão sensível quão é o sistema de saúde pública.

Não poderia deixar de terminar este texto sem citar um dos muitos pensamentos do notabilíssimo Desidério Erasmo “ninguém, de fato, pode escolher seus pais ou pátria, mas todos podem esculpir a própria personalidade através da educação”.

Querida Eme; aqui me despeço, entretanto, tão logo algo me motive sobre o surpreendente comportamento do bicho humano e que me sobressalte, volto a atormentá-la em seus sonhos.

Receba delicioso beijo.

Elbez.