O último "último"
O último "último"
(Uma carta aos poetas)
Caros amigos literatas,
Vos escrevo esta carta-mensagem
Nesse silêncio lúgubre da madrugada
Propício a gatunagem e vagabundagem
Fiz-me também gatuno
Furtei dum caderno o papel no qual vos escrevo
Perdoem-me o importuno
Eu sei que não devo
Mas é que há um cancro que nos extermina
A poesia andou viciada
Não de marijuana ou heroína
Mas duma palavra adoentada
Sim,meus pares...
Falo-vos d'uma doença títulógica
Que causa a poesia graves pesares
E leituras melancólicas
Amigos, perdoem-me também as desviações
Não me acordei só a mim
Acordei igualmente as palavras e suas feições
Para que esta mensagem não chegue ruim
Sou agora mais exacto:
Exausta-me a intitulação "último"
Não que não entenda o seu impacto
E o quão o vocábulo é préstimo
Mas,meus pares,convenhamos
É exageradamente excessivo o seu uso
Quase que não o repousamos:
"A última mesada;O último poema;O último desejo;A última vez;A última carta;O último suspiro;A última página;Última chance;O último mudo...
Como vedes é um vício viciante
Que muitas vezes é despercebido
É que um título com "último" é extremamente aliciante
Mas uma vez já sabido
Acordemos:Este é o último "último" numa poesia
Bom dia.