EM DEFESA DO MARXISMO - Carta para Paulo Gussoni

Uberaba/MG, 14 de março de 2014.

Prezado Paulo Gussoni,

Agradeço imensamente por suas palavras e pela oportunidade de dialogar sobre um tema tão relevante e atual. Sua curiosidade é legítima e reflete uma questão comum a muitos que estudam ou se interessam pelas teorias marxistas e sua aplicabilidade no mundo contemporâneo.

Em primeiro lugar, é preciso entender o marxismo como ele foi concebido realmente por Karl Marx e Friedrich Engels, antes de tudo, um método de análise da realidade através do materialismo histórico. Além do mais, marxismo não deve ser confundido com estalinismo, maoísmo, castrismo, bolivarismo, etc. Ele é ao mesmo tempo um método, uma teoria, uma ideologia e pratica política. Mas, ele não deve ser encarado como um dogma infalível e imutável. Afinal ele não é religião.

Por isso, respondendo diretamente seu questionamento, não tenho dúvida ao afirmar que o marxismo não foi implementado como forma de governo em lugar algum do mundo, portanto, nunca foi e nunca será. Agora, valendo-se do método marxista, que permite entender que a sociedade é dividida em classes, divisão que inexoravelmente causa a atritos, os quais podem levar às revoluções sociais e, ainda, entender que a classe trabalhadora, no sentido de todos aqueles que vivem de sua força de trabalho com o operariado à frente, é a única que tem a capacidade de fazer superar essa sociedade de classes, podemos concluir que a humanidade teve apenas uma breve experiência histórica, comandada por Lenin, nos primeiros anos da revolução russa, de um governo com corte de classe marxista. É certo que, no entanto, com a derrota dos espartaquistas (que eram liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht) na Alemanha e, consequentemente, da revolução naquele país (que então era o mais avançado na Europa) levou a Revolução Russa ao isolamento, o que, combinado com o adoecimento e posterior morte de Lenin, não apenas abriu espaço para a ascensão de Josef Stalin ao poder, mas à brutal burocratização da URSS, ao ponto de que a teoria e método marxista, na prática, foram abandonados (apesar do discurso oficial dizer o contrário) e a URSS deixar de ser um estado operário, que buscava o socialismo, para se tornar um estado operário degenerado, onde deixou de existir a Ditadura do Proletariado (que apesar do nome é o instrumento para a expressão máxima da democracia, que se alcança apenas com a superação total da sociedade de classes, isto é, no comunismo) para existir uma Ditadura sobre o Proletariado, comandada por uma corja burocrática que usurpou da Revolução Russa, ao ponto de levar à restauração capitalista na Rússia e em todo o leste europeu.

Dito isto, não é demais apontar que o capitalismo, assim como o estalinismo, não se configura como uma alternativa viável para a sociedade. Diariamente, o capitalismo revela suas deficiências intrínsecas, beneficiando apenas um seleto grupo de indivíduos extremamente ricos, enquanto a vasta maioria da população global é subjugada a condições de exploração e opressão. Este sistema é marcado por disparidades salariais abissais, perpetuação da miséria, prevalência de doenças, sistemas de saúde precários e ineficientes, além de crises sanitárias globais como pandemias, que desnudam ainda mais suas falhas estruturais. A emergência alimentar e a fome, longe de serem erradicadas, são realidades persistentes que atestam a incapacidade do capitalismo de garantir o bem-estar e a segurança básica para todos. Em contrapartida, promove um ciclo vicioso de acumulação de riqueza e poder nas mãos de poucos, à custa do sofrimento e da exploração da maioria.

Portanto, o que defendemos é a superação do capitalismo (e não sua reforma) por meio de uma revolução social, visando construir uma nova sociedade que transcenda tanto o estalinismo quanto o capitalismo, uma sociedade justa, equitativa e verdadeiramente democrática, onde a dignidade humana e a solidariedade de classe prevaleçam sobre o lucro e a competição desenfreada.

Para tanto, entre outros, defendemos o seguinte:

1. Adaptação Tecnológica e Ambiental: Vivemos na era da informação e da crise climática. Nós, marxistas, defendemos a gestão coletiva dos avanços tecnológicos para servir às necessidades humanas e ao planeta, em vez de perpetuar desigualdades. A transição para uma economia verde, que respeite os limites do meio ambiente, é um exemplo de como a planificação da economia pode incorporar questões contemporâneas.

2. Democratização do Poder e da Economia: A crítica marxista à concentração de poder e riqueza é mais relevante do que nunca. Defendemos formas democráticas de gestão econômica e política, por meio de Conselhos Populares, onde as decisões sejam tomadas de forma coletiva e participativa, garantindo que a tecnologia e os recursos sejam utilizados para o bem comum.

3. Internacionalismo e Solidariedade Global: Em um mundo cada vez mais interconectado, os desafios que enfrentamos são globais. Os marxistas enfatizamos a importância da solidariedade internacional e da luta conjunta contra a opressão, o que se traduz em apoio a movimentos sociais, trabalhistas e ambientais em todo o mundo. Neste momento, por exemplo, é fundamental barrar as agressões sionistas à Gaza. No Brasil, devemos exigir que o governo Lula rompa relações comerciais e diplomáticas com o estado sionista de Israel, que promove um verdadeiro genocídio na Palestina. Precisamos defender uma Palestina Livre, com o fim do estado sionista, para a construção de um novo estado laico, democrático e não racista, onde convivam pacificamente muçulmanos, cristãos e judeus.

4. Educação e Consciência de Classe: Acreditamos na importância de uma educação que promova a consciência crítica, a solidariedade e o entendimento das dinâmicas de poder na sociedade. Isso inclui repensar o papel da educação em moldar cidadãos conscientes e ativos na transformação social. Além disso, é para nós tarefa fundamental ajudar os trabalhadores e demais explorados no processo de conscientização enquanto classe em si e também classe para si.

5. Flexibilidade e Pluralidade de Estratégias: Reconhecemos que não existe uma única forma de fazer a luta pelo socialismo. As estratégias devem ser adaptadas às realidades específicas de cada contexto, respeitando a pluralidade de lutas e movimentos sociais. Isso significa estar aberto a diferentes formas de organização e luta, sempre com o objetivo de promover a mobilização social, a conscientização de classe e, por consequência, a igualdade e a emancipação humana.

Em suma, como marxistas, herdeiros de Trotsky e Moreno, nós do PSTU, defendemos um marxismo vivo, que evolui constantemente e não como um dogma sagrado de lições mágicas e líderes infalíveis, sem perder de vista seus princípios fundamentais do marxismo.

Espero que essas reflexões sirvam como ponto de partida para uma discussão mais aprofundada e fico à disposição para continuar este diálogo. Sugiro, ainda, que procure o PSTU em sua cidade. Meu contato é defesadotrabalhador@terra.com.br.

Atenciosamente,

Adriano Espíndola Cavalheiro

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ANEXOS:

Anexo 1:

Abaixo o comentário de Paulo Gussoni que comento na presente carta e também meu texto que gerou o comentário:

Textos bem escritos e analíticos, parabéns. O último paragrafo desperta minha curiosidade. Não tenho conhecimento de nenhum lugar em que o marxismo tenha sido implementado com sucesso e o mundo mudou radicalmente nas últimas décadas, ainda assim você e o partido defendem essa ideologia. O que faz pensar que possa dar certo? Quais s adaptações que propõem para que algo criado há mais de cem anos possa existir hoje? Provavelmente, não dá para responder num comentário, quem sabe num outro texto, fica a ideia de tema.

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Anexo 2.

Meus textos que geraram o comentário de Paulo:

texto 01

Notas de meus estudos do marxismo - NOTA 01:

"O ser humano faz a história, porém condicionados pelas relações econômicas e sociais

E as mudanças sociais ocorrem de acordo com as forças dinâmicas internas da sociedade que, em consequência, são o resultado das relações de produção da sociedade."

Em outras palavras, a uma relação dialética, recíproca, entre estrutura e superestrutura, ainda que a primeira condicione a segunda.

Ao marxismo estrutura, ou base econômica, refere-se ao modo de produção predominante numa sociedade, englobando as forças produtivas (ferramentas, fábricas, terra, tecnologia, etc.) e as relações de produção (relações entre classes, como proprietários dos meios de produção e trabalhadores). Essa base econômica determina a superestrutura, que compreende as instituições políticas, legais, religiosas, artísticas, filosóficas e outras formas de consciência social que surgem a partir das condições materiais de existência. A superestrutura funciona tanto para refletir quanto para perpetuar as relações de produção, criando e reforçando ideologias que justificam a ordem social existente.

Um exemplo histórico que ilustra a interação entre estrutura e superestrutura pode ser encontrado na Revolução Industrial na Inglaterra. A transformação das forças produtivas, com o advento de novas tecnologias e métodos de produção, alterou radicalmente as relações de produção, substituindo o sistema feudal baseado na terra por uma economia capitalista baseada na fábrica e no trabalho assalariado.

Essa mudança na estrutura econômica levou a uma transformação correspondente na superestrutura: surgiram novas formas políticas, como o liberalismo, que defendiam ideais de liberdade individual e propriedade privada, refletindo e reforçando as necessidades da nova ordem capitalista. Além disso, houve mudanças significativas nas esferas cultural e filosófica, com o desenvolvimento do positivismo, que enfatizava o papel da ciência e da tecnologia como motores do progresso.

Esses exemplos demonstram como as mudanças na base econômica podem reconfigurar a superestrutura, influenciando profundamente a organização social, política e ideológica de uma sociedade.

Adriano Espíndola Cavalheiro

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texto 02:

Notas de meus estudos sobre marxismo. Nota 02

Disse em resposta, numa rede social, a cometário feito por seguidor em outra mensagem (NOTA 01), que o estalinismo é a antítese do marxismo.

Ora, o estalinismo refere-se às políticas e práticas do regime de Josef Stalin na União Soviética, especialmente entre os anos 1920 e 1953. Apesar de Stalin e dos estalinistas se dizerem marxistas, suas ações e políticas divergem frontalmente dos postulados marxistas, em vários aspectos importantes:

1. Centralização do Poder: O estalinismo caracterizou-se pela centralização extrema do poder nas mãos de Stalin e de um pequeno grupo de líderes soviéticos. Isso contrasta com a visão marxista de uma sociedade sem classes, onde o poder é descentralizado e distribuído entre os trabalhadores.

2. Culto à Personalidade: Stalin promoveu um culto à sua própria personalidade, algo que é completamente antagônico aos princípios marxistas. Marx e Engels sempre enfatizaram a importância das massas trabalhadoras e a luta de classes, em vez de exaltar indivíduos.

3. Repressão e Terror: O regime de Stalin foi marcado por extrema repressão, purgas, execuções em massa, deportações e campos de trabalho forçado (Gulags), visando eliminar qualquer oposição política ou desvio ideológico. Embora Marx e Engels reconhecessem a necessidade de uma revolução para derrubar o capitalismo, a escala e a natureza da violência sob Stalin distanciaram-se muito dos processos democráticos e emancipatórios defendidos por eles.

4. Economia e Industrialização: Embora o estalinismo tenha mantido a propriedade estatal dos meios de produção, a maneira como a economia foi gerida sob Stalin, com planificação centralizada e ênfase na industrialização rápida, muitas vezes negligenciou as necessidades e a qualidade de vida da população trabalhadora. Marx e Engels defenderam uma economia que atendesse às necessidades humanas, não apenas aos imperativos de crescimento econômico ou poder militar.

5. Internacionalismo vs. Socialismo em um só país: Marx e Engels eram fortes defensores do internacionalismo, acreditando que a revolução socialista deveria ser uma luta global. Stalin, por outro lado, adotou a política do "socialismo em um só país", focando na construção do socialismo dentro das fronteiras da União Soviética, o que foi visto por muitos como uma divergência significativa do marxismo.

Há muito mais, no entanto, essas diferenças fundamentais demonstram que o estalinismo é uma distorção, um desvio dos princípios marxistas a tal ponto, de se tornarvuma antítese ao marxismo.

Saber que existe essa distinção entre estalinismo e marxismo, é fundamental para compreender as diferentes organizações de esquerda. As trotsquistas, cujo no Brasil, a de maior expressão é o PSTU, partido do qual sou parte, são as que dão continuidade ao marxismo como método e, portanto, como fio condutor de Marx, Engels, Lenin e Trotsky.

#marxismo #Leninismo #trotsquistas #PSTU

Adriano Espíndola Cavalheiro