Café com Angústia

Um café especialmente amargo, eu diria,

Angústia, aqui estou novamente.

Convido-te ao ermo para que me faças companhia,

Enquanto esquento as mãos frias no recipiente fumegante,

permaneces estática, porém intensa, como antes.

Me olhas desconfiada,

com a ira de quem fora por uns dias abandonada,

finges que não és tão somente uma instância de mim.

Levanta a tua xícara de porcelana fina, rindo discretamente do meu excesso de açúcar no copinho americano da padaria.

Invento um enigma para nos distrair,

Pergunto:

- meu adeus será mantido?

Se nem de ti pude me desapegar,

ou me arrependeria ao seguinte dia.

Decerto, não fosse por ti, não teria nem com quem conversar.

Fui vítima de um rompante interno,

a voz usurpada por algeas me deixou escapar um grito dissimulado de liberdade,

Disse: "não posso estender esta corda nem um milímetro a mais"

te vejo sorrir mais extravagante desta vez,

escarneces de mim, perversa!

Sabes bem o que vai no meu coração...

Defronte, quilômetros dessa tal corda se estendem em um shibari mental.

Perdi a esperança, como quem perde as chaves de casa,

por descuido ou por desejo.

Aqui tudo perece sobre um leito rochoso,

um deserto que não mais compreendo.

Enquanto mantenho-o intacto, cuidado e protegido

minha ilusão se desconfigura, ante a verdade.

Imaculada a memória que o guarda,

é o deslizamento da onipotência desse homem, cujo o preço é estar presa a um instante eterno...

Entendes?

- Como tu, há milhares assim.

E estende teus braços para mim, convencendo-me: - lembra-te, sou o afeto que não engana, sabes bem o meu nome.

"A angústia surge do momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar" (Jacques Lacan)

Solivagant
Enviado por Solivagant em 17/03/2024
Código do texto: T8022029
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