Uma andorinha que fez verão.

Oi, Maria Luiza D Errico Nieto

Li seu artigo, “Aprender e ensinar...”, e tendo algo em comum, optei por escrever esta carta.

Nós que já lavamos muitas vezes nossas mãos, sabemos que a pele não remoça, apenas estica, enruga e fenece.

Os modelos também são assim. Uns duram mais outros menos. O comunismo consumiu a vida de muitos, até ser colocado na berlinda. E lá se foi o muro, derrubado por mãos: abaixo a pólvora.

Não sabemos se a concorrência vai resistir por muito tempo, mas será, um dia, eleita “ultrapassada”.

O modelo que ponho em pauta, é aquele lendário selecionador, feito no dia-a-dia, pela observação pessoal de cada professor. Após um determinado tempo, concluíam os mestres que este e aquele pupilo não tinha a velocidade dos demais. Solução: reforço na carga horária e na paciência de um abnegado professor.

Você, com a vivência que tem, sabe que corrupção existe em todas as áreas e em todos os níveis. Conclusão: corromperam a idéia. Algumas escolas acabaram criando um lixão (ou sala de dejetos, aluno lento, professor ruim).

Voltemos ao modelo: Um luminar, condutor dos destinos da Fundação Educacional do Distrito Federal, resolveu aprimorar o esquema. E como cientista que era, inventou o VESTIBULAR PARA ANALFABETO.

A COISA, funcionava assim, na escola pública, é claro!:

No dia das boas vindas, (não cheguei, mas saí mijado de nervoso, um pingo de cada vez), em tempos que já se questionava o vestibular para faculdade, por estressar a juventude, a DIREÇÃO, escalaria um professor capacitado para alfabetizar em dois anos os alunos CLASSIFICADOS no Grupo III.

Opa! O andor não é, mas o santo... devagar...

a) No primeiro dia...

Estava decidido.

b) Alfabetizar em dois anos...

O infeliz, já no “boas vindas”, estava reprovado.

b) Classificado...

Isso é fácil, moleza, barbada, é só fazer uma provinha... vaselina vai e vaselina vem, e estava criado o VESTIBULAR PARA ANALFABETO. (reserve!)

Acompanhando tais diretrizes, mas de outra fonte, veio esta orientação, calcada no alto nível de repetência: é proibido proibir, é proibido repetir... Assim os tais grupos I e II deveriam ser aprovados de qualquer forma, bem como o tal G-III, reprovado unanimemente.

(junte)

Não sou professor e muito menos educador, mas a coisa começou a me afetar. Todos os dias eu recebia em casa, uma andorinha, assim como você, inconformada.

– É um absurdo! Como é que eu vou reprovar um aluno que fez a melhor redação que já vi em uma sala de alfabetização?! Como? Se estão aprovando até quem não sabe pegar no lápis?

– Redação?! No primeiro ano? Não é só aprender as letras e escrever o nome?

– E o nome não é uma redação?

– Ah, ta!

– Se eu não trabalhar textos, eles não aprendem o emprego das letras... e alfabetizar é... Veja isto.

Empurrou uma folha, ex-branca, em minhas mãos. Enquanto explicava seu conceito de alfabetização, li e reli a tal redação do pomo da discórdia.

"– acordei cum fomi.

– minha mãe mandou eu bebe arguma coiza mais só tinha um restim no fundo da caneca. Corri para escola para pegar o pão.

– meu pai que trabalhar mais ninguém da para ele aí ele num come minha mãe só bebe e eu como aqui.

Bejos para a professora Emilinha qui e bem bunitinha"

– Você está brigando para aprovar este monte de erros, esta suru...?

– Erros?! Aí não tem nenhum erro! Todas as palavras trabalhadas estão grafadas corretamente. As demais retratam o vocabulário dos pais.

– Ah, ta! E como é que este gênio foi parar no G-III?

Vasculhou a pasta e me passou outra folha, um pouco mais branca.

Pergunta: ( mimeografada a álcool) O que você entende por estante?

Resposta: (transcrita em letra bonita) É quando minha mãe fala: vá ao boteco e busque uma pinga. Volte em um “istante”.

– Quer dizer que em um “istante” ele foi reprovado?!

– São as DIRETRIZES. Já sugeri que incluíssem a palavra enxada no teste, assim os meninos da cidade teriam uma chance de ir parar no G-III. “é quando o ricardão vai lá em casa”, diriam.

– Em outros tempos isso significava sangue. Mas ainda acho que o texto é muito pobre para sustentar um levante contra as...

– Pobre?! Pobre?! Você com seus olhos analíticos de São Mateus, mais parece São Tomé: Não crê, porque não vê!

– Fiquei cego?

– Cego, insensível, alienado, burro...

– Esse filho da puta me chamou de tudo isso...?!

– Faltou eu te informar que ele tem um pai egresso do nosso sistema correcional. No mais, a chaga social, do alcoolismo, está descrita com poucas palavras: origem, causa, conseqüência e herdeiro. Com pouco dinheiro compram cachaça, custa menos que o álcool dos carros. Aquecem o estômago e se ficarem bêbados, esquecem a fome. O que evidencia outros problemas sociais.

– Já está viciado?

– Que importância isso tem? Foi reprovado pela vida, mas conserva o afeto e o sorriso mandando beijos para alguém. Ainda está em tempo. Na minha sala ele não será reprovado!

Juras...! Na alegria e nas tristezas... (porque aquela é no singular?)

Começamos pelo sindicato dos professores(SINPRO), pois a andorinha já não estava só... e viva o verão, pois a luz é de todos; o outro-no, meu irmão; a prima vera que é linda; e o in... deixa pra lá, prefiro o calor humano.

Abraços e parabéns por sua bandeira.

Eloy Fonseca
Enviado por Eloy Fonseca em 04/01/2008
Código do texto: T802723
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