CARTA AOS DIRETORES DE ESCOLA

A escola pública passa por uma crise bizarra. Recebe sapatos de ouro quando não possui os pés. A maioria das escolas não consegue caminhar e nós somos as muletas. Muletas mórbidas que já não sabem ao certo se existem. Cumprimos uma sobrecarga brutal de tarefas e ainda somos acusados de NEGLIGENTES PEDAGÓGICOS. Somos o vigia da escola e não conseguimos cuidar da nossa própria vida. Somos inspetores ( e só esta tarefa, nos dias atuais, já é sobre-humana ), e não vemos nossos filhos. Somos o escriturário e não conseguimos mais escriturar nossas contas. Somos o secretário, e meu Deus, quem irá nos secretariar em meio a este colapso ?

Tudo isto, sem contar que somos assistente social, psicólogo, psiquiatra, merendeiros e Office-boys das DEs. Em uma única frase, SOMOS OS DISFARÇADORES DO CAOS. Conseqüentemente somos acusados de quase tudo por todos os lados.

Cometemos, contudo, pelo menos dois crimes inafiançáveis: o primeiro é que não conseguimos ser pedagogos e o segundo é que acabamos sendo CÚMPLICES DESTE ESTADO DE CALAMIDADE, digno de alarmar a ONU.

Nós não estamos percebendo que os furos desta peneira são infinitos e propositais. O próprio governo assume que está eliminando o inspetor de alunos e demais funcionários. Por mais funções que cumpramos, continuaremos sendo atacados pelo sistema. O nosso salário nunca esteve tão amarrotado. Praticamente não há mais diferença entre o salário do professor e do diretor. Considerando nossa jornada maior, não há diferença nenhuma.

E continuaremos sendo acusados pelas autoridades, de “omissos pedagógicos”; pelos pais, de culpados pela má qualidade da U.E.; por parte dos professores, de ditadores, de desaparecidos ( só vivemos em reunião da DE ) ou coisa pior; e por Deus, por não gritarmos ao mundo em busca de um SOCORRO que é emergencial.

A escola pública está morrendo e nossa saúde já não é das melhores. Alguns diretores estão doentes e a gente continua esperando a REDE que nos convidará para mais um velório que pedagogicamente nos ensinará que silenciamos demais.

Nós, diretores, ainda não percebemos que somos parte do executivo da demolição do sistema. Executamos as ordens como CARRASCOS CEGOS que não sentem os que matam por não verem a arma que manejam. Temos acatado quase tudo. Fechamos classes, demitimos professores, superlotamos as salas. Tudo isso sem nenhuma autoridade pedagógica ou disciplinar. No máximo discutimos em sala fechada diante da orelha do Dirigente, supervisores e assessoria. Este esbravejar apenas nos desgasta e desgastados somos acusados de loucos ou esquerdistas, até que nada que façamos faça sentido, inclusive a nós mesmos.

Com esta atitude cometemos mais dois erros: o primeiro é que todos os crimes que vemos não chegam aos pais, professores, alunos e imprensa. O segundo é que os “desabafos” nas reuniões já estão previstos pelo sistema como “válvulas de escape” para a pressão não atingir o governo. A D.E. é o ladrão da represa.

Enquanto isso, para cada reivindicação que fazemos (merenda, solicitação de funcionário ou reforma da U.E., por exemplo), o Sr. Dirigente nos diz com a serenidade costumeira dos detentores de cargos de confiança: “Isto não depende de mim.” – E nós voltamos cabisbaixos ao nosso campo de concentração, como se NÃO HAVER NINGUÉM que resolva o abandono criminoso em que a escola se encontra, FOSSE NORMAL. E na ausência de responsáveis o diretor acaba como CULPADO.

E para acabar de vez com a nossa dignidade, somos indiretamente chamados de ladrões, via embratel. Este governo é hipócrita. Mostra uma escola mágica aos pais, pela TV, e nos enclausura sem gente dentro da U.E. que agora possui tecnologia sem ter onde instalar ou quem possa manejá-la. Nós precisamos primeiro é de gente. Gente, este material barato que sempre tocou as escolas do planeta, mesmo quando as grandes tecnologias ainda não existiam. Este mesmo material que está aí, na rua, implorando emprego. E precisamos que os alunos e professores tenham condições dignas de trabalho: salas com 20 alunos e salários minimamente compatíveis com o desgaste da função.

Senhores, devemos dar um basta. Não podemos mais aceitar tanta humilhação e descaso. Nestas condições o nosso cargo nem vale tanto a pena. Temos que usar a nossa função, a nossa formação e o nosso poder de inserção social para gerar ações concretas, resultados práticos para a escola, para a sociedade, para nossas vidas e para a nossa profissão.

Prof. Paulo Franco

Ex-diretor de diversas escolas

Este texto foi publicado em jornais e no Boletim informativo nº 2 da UDEMO em Abril de 1996.

SERÁ QUE ELE ENVELHECEU OU CONTINUAMOS DISFARÇADORES DO CAOS ?